RegularizaĂ§Ă£o fundiĂ¡ria como segurança para realidade amazĂ´nica

"Regularizar nĂ£o Ă© apenas entregar um papel. É construir estabilidade e proteger o futuro da sociedade que vive e conserva a floresta", defende o advogado Carlos Canabarro.

RegularizaĂ§Ă£o fundiĂ¡ria como segurança para realidade amazĂ´nica

Por Carlos Canabarro*

Escrito por Ednilson Maciel

Publicado em: 19/08/2025 Ă s 06:21 | Atualizado em: 19/08/2025 Ă s 06:21

A regularizaĂ§Ă£o fundiĂ¡ria costuma ser vista como um trĂ¢mite jurĂ­dico, uma questĂ£o burocrĂ¡tica e onerosa de registro de terras. Mas, para quem vive em terrenos sem qualquer garantia formal, ela Ă© muito mais do que isso.

Trata-se de um passo essencial para garantir segurança de permanĂªncia, estabilidade econĂ´mica e reconhecimento social, especialmente para aqueles que enfrentam situações de vulnerabilidade e tĂªm pouco acesso a meios formais de entender a lei.

Nessa realidade, a diferença entre posse e propriedade nĂ£o Ă© apenas tĂ©cnica; Ă© a linha que separa a incerteza da dignidade.

ExperiĂªncias como a do projeto MejuruĂ¡, que atua na regiĂ£o do mĂ©dio rio JuruĂ¡, com foco em promover conservaĂ§Ă£o ambiental, desenvolvimento sustentĂ¡vel e melhoria da qualidade de vida dos moradores locais, tĂªm demonstrado como esse processo pode ser conduzido de forma inovadora, com resultados concretos para quem vive e cuida da floresta.

Pessoas que vivem em condiĂ§Ă£o de posse, sem tĂ­tulo formal de seus terrenos, permanecem expostas Ă  ameaças externas, como promessas de farsantes e oportunistas, remoções forçadas e disputas fundiĂ¡rias, alĂ©m de restrições a investimentos e financiamentos.

No caso da regiĂ£o do mĂ©dio JuruĂ¡, no oeste amazonense, iniciativas como a do projeto MejuruĂ¡ tĂªm demonstrado que Ă© possĂ­vel unir conservaĂ§Ă£o ambiental e segurança jurĂ­dica para os moradores, sem a prĂ¡tica de remoções, tampouco de ações que possam comprometer o equilĂ­brio ecolĂ³gico.

As 75 famĂ­lias beneficiadas pela iniciativa do projeto MejuruĂ¡ nĂ£o apenas asseguram o direito de permanĂªncia, mas assumem formalmente o papel de guardiões da floresta, promovendo uma abordagem sustentĂ¡vel que transforma a ocupaĂ§Ă£o em uma ferramenta ativa de conservaĂ§Ă£o, invertendo paradigmas predatĂ³rios histĂ³ricos.

A lĂ³gica do programa Ă© fixar os moradores das margens que, em uma regiĂ£o desprovida de estradas — sĂ£o os rios que assumem esse papel — acaba sendo o ponto de partida da agressĂ£o Ă  natureza.

Assim, aproveita-se o conhecimento de pessoas que sabem viver equilibradamente na floresta tambĂ©m como anteparo Ă  destruiĂ§Ă£o ambiental.

Em vez de adotar modelos fundiĂ¡rios similares Ă queles utilizados em terras pĂºblicas, como o TUC (TerritĂ³rio de Uso Comum) e a CDRU (ConcessĂ£o de Direito Real de Uso), nos quais, como o nome indica, hĂ¡ apenas a cessĂ£o, muitas vezes condicionada e onerosa, o projeto MejuruĂ¡ concede a propriedade dessas glebas e, ainda, adicionalmente, estabelece um espaço de uso comum para as prĂ¡ticas de subsistĂªncia dessas pessoas.

A iniciativa do projeto MejuruĂ¡, alĂ©m de garantir a legalidade da regularizaĂ§Ă£o fundiĂ¡ria aos moradores da regiĂ£o do Riozinho, tambĂ©m rompe um ciclo predatĂ³rio e marginalizante, transformando prĂ¡ticas locais em instrumentos de sustentabilidade e reconhecimento cultural.

O impacto Ă© jurĂ­dico, social e ambiental, tudo ao mesmo tempo.

Neste ponto, Ă© urgente a atualizaĂ§Ă£o da legislaĂ§Ă£o brasileira para facilitar a replicaĂ§Ă£o dessas experiĂªncias.

A atual estrutura normativa Ă© excessivamente urbana, burocrĂ¡tica e onerosa, distante das realidades amazĂ´nicas. Um marco legal mais direto, adaptĂ¡vel e sensĂ­vel Ă s especificidades dos territĂ³rios da floresta Ă© essencial para que milhares de outras famĂ­lias possam sair da informalidade e encontrar a segurança que merecem.

Regularizar nĂ£o Ă© apenas entregar um papel. É construir estabilidade e proteger o futuro da sociedade que vive e conserva a floresta.

*O autor Ă© advogado e diretor-presidente da BR Arbo.

Foto: reproduĂ§Ă£o/rede social