Coronel, o vaqueiro de fama real

Conheça melhor a história desse guardião de memórias da vaqueirada do boi Garantido.

Dassuem Nogueira, da Redação do BNC Amazonas em Parintins

Publicado em: 29/06/2025 às 10:14 | Atualizado em: 29/06/2025 às 14:20

A vaqueirada é um item que deriva do auto do boi parintinense. Na versão do boi Garantido, o diálogo mais conhecido entre o vaqueiro de fama real e amo se dá após a morte do boi por Pai Francisco:

Amo: Oh vaqueiro vaqueiro de fama real! Nesse campo de deserto, onde a desgraça me teme, chamo e ninguém me responde, olho e não vejo ninguém. Oh vaqueiro vaqueiro de fama real!

Vaqueiro: Pronto, senhor meu amo!

Amo: Onde estava o vaqueiro que eu chamava e não me respondia?

Vaqueiro: Estava no campo de Mazagão à procura do boi Garantido.

Amo: Sabes que o boi Garantido foi morto?

Vaqueiro: Estou sabendo. Agora, quem matou?

Amo: Pai Francisco. Eu quero que vá buscar dele três coisas: vida, sangue e ponta de barba.

E seguia o vaqueiro de fama real acompanhado pelos demais à procura de Pai Francisco

Vaqueirada no festival

Antigamente, os vaqueiros não eram padronizados como hoje. Cada um confeccionava seu próprio cavalinho e a eles era dado um nome. Embora trotassem em conjunto, cada homem fazia um bailado e giros próprios.

As lanças dos vaqueiros eram feitas com cedro, as pontas de ambos os bois eram estrelas e os laços que caíam delas eram feitos de papel crepom.

A partir da competição entre os bois-bumbás em itens, a vaqueirada passou a, inicialmente, alinhar o bailado em trote, quando os vaqueiros imitam o sobe e desce do trotar dos cavalos reais.

Em meados de 1990, a vaqueirada passou a realizar coreografias e fazer desenhos na arena do bumbódromo.

No auto, os vaqueiros da fazenda corriam atrás do boi em fuga para laçá-lo e iam em busca de Pai Franciso.

Na versão adaptada para o festival folclórico, seu papel é fazer a guarda do boi. A entrada da vaqueirada sinaliza que os bois Garantido ou Caprichoso estão para chegar.

A estrela azulou

Com o advento da estrela na testa do boi Caprichoso, em 1998, o boi Garantido deixou de fazer estrelas e aderiu ao coração nas pontas.

Com o tempo, ambos os bois passaram a utilizar outras formas e fazer delas pequenas alegorias, alinhadas ao tema da noite.

A confecção dos cavalinhos ficou nas mãos das agremiações, que, por sua vez, recorrem a mestres artesãos, como Coronel, que dominam os processos desde a estrutura à decoração.

Coronel

Roberto dos Santos Silva, conhecido como Coronel, atualmente morador do bairro do Itaúna, é um antigo morador da baixa da Xanda.

De 70 anos, é filho de seu Tertulino, lembrado como exímio pescador de caniço. Ele é vaqueiro do boi Garantido desde os 12 anos de idade.

O BNC Amazonas conversou com Coronel para conhecer melhor a história desse guardião de memórias da vaqueirada do boi Garantido.

O Tonto

Primeiro, Coronel brincou de Tonto: “Quando eu tinha uns 7 anos, um dia eu chorei, via brincar e achava legal, queria brincar. Daí tinha uma brincadeira que era o Tonto, sabe? Que era uma pena aqui [na cabeça], no braço, outra aqui na perna, uma sainha. E daí meu irmão fez esse negócio pra mim, com pena de galinha, essas penas de pássaro sabe”.

O índio Tonto era uma fantasia que surgiu por influência do cinema estadunidense na brincadeira de boi-bumbá, por volta de 1960.

Nos filmes de faroeste apareciam os indígenas apaches, cuja representação cinematográfica se eternizou pelo uso da pena única na parte de traz da cabeça.

A vaqueirada

Depois de brincar de Tonto, Coronel quis brincar de vaqueiro.

“Daí o meu irmão fez um cavalinho pra mim, sabe? E, desde lá, eu venho em seguida [brincando de vaqueiro]. Nós fazíamos nossa lança. Naquele tempo, a estrela era nossa, não era do Caprichoso. Nós fazíamos uma lança, muito grande assim ao redor, nós fazíamos uma grandona de cinco pontas. Mas, olha lá como ela era grandona e olha lá como ficava! Nós fazia [sic] aquelas fitas grande de papel crepom, naqueles pau grande, era cedro. Era leve porque nós fazíamos leve. Daí nós saía pra rua de vaqueiro, aí do curralzinho pra CCE, lá onde era a castanholeira, lá pra onde era o Caprichoso, pra lá nós ia [sic]”.

A CCE era a quadra de esportes onde eram realizados os primeiros festivais folclóricos, localizada na rua Paes de Andrade, reduto das famílias Cid e Gonzaga, fundadores do boi Caprichoso.

“Quando chegava lá aonde nós ia [sic], eles davam merenda pra gente. A gente saia na carreira na frente, sabe por quê? Nós tomava [sic] um pouco, nós queria [sic] repetir de novo o mingau (risos). Era assim que era a nossa parada”, lembra ele, feliz do tempo em que a brincadeira de boi tinha como recompensa mingau de banana ou munguzá.

Artesão

Coronel tem 49 anos de vaqueirada e faz os cavalos do Garantido, ofício que aprendeu com o irmão mais velho.

“Naquele tempo, a gente pegava um pano, nós fazia sic e enchia [sic] a cabeça de mato, folha de bananeira, de sarrapilha, de tudo que tinha, né? Enchia bem a cabeça, daí eu fazia o corpo, cada um fazia o seu”.

Coronel ficou tão bom em fazer cavalinhos da vaqueirada do Garantido que acabou virando referência nesse ofício e a receber encomendas de bois, de outros municípios e comunidades ao redor.

Ele resistiu à profissionalização do festival de Parintins, sendo incorporado como mestre artesão e resiste como dançarino da vaqueirada na arena aos 70 anos.

Da primeira geração de vaqueiros do Festival Folclórico de Parintins, só restaram Coronel e José Geraldo de Souza, de 73 anos.

A vaqueirada é um item que expressa a tradição do boi-bumbá e, até hoje, só brinca nesse item os moradores de Parintins.

Fotos: Dassuem Nogueira/ especial para o BNC Amazonas