O peso do dia 14 de janeiro em Manaus na investigaĂ§Ă£o da CPI da covid
Nas primeiras horas da madrugada daquele dia, o oxigĂªnio se esgotou em hospitais da capital do Amazonas. Pacientes com covid-19 morreram asfixiados

Publicado em: 29/04/2021 Ă s 18:45 | Atualizado em: 29/04/2021 Ă s 18:45
O dia 14 de janeiro de 2021 representou para moradores de Manaus o capĂtulo mais trĂ¡gico da pandemia do novo coronavĂrus – e pode ter sido, tambĂ©m, o momento mais crĂtico e emblemĂ¡tico de toda a crise sanitĂ¡ria no Brasil atĂ© aqui.
Nas primeiras horas da madrugada daquele dia, o oxigĂªnio se esgotou em hospitais da capital do Amazonas. Pacientes com covid-19 morreram asfixiados.
A crise, porĂ©m, nĂ£o começou no dia 14. Em dezembro, o Amazonas jĂ¡ vivia as consequĂªncias de uma segunda onda da pandemia, repetindo o fenĂ´meno da primeira, que tambĂ©m se manifestou inicialmente naquele estado, para depois ser replicada no restante do paĂs.
A superlotaĂ§Ă£o dos hospitais da rede pĂºblica de saĂºde, a dificuldade de atendimento a pacientes e a falta de insumos — tudo isso numa gravidade superior Ă que se verificou na primeira onda, entre abril e maio— ganhavam contornos de criticidade a cada dia, semana apĂ³s semana, atĂ© culminar no colapso em 14 de janeiro.
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O MinistĂ©rio da SaĂºde foi acionado, ainda em dezembro, diante da iminĂªncia do caos. E demorou a agir.
O ministro da SaĂºde na Ă©poca, o general da ativa Eduardo Pazuello, foi diretamente envolvido na crise.
Ele tem uma histĂ³ria com Manaus, viveu na cidade e atuou como militar na regiĂ£o. Tem conexões diretas com autoridades locais.
Como ministro da SaĂºde, tinha responsabilidade direta na tomada de providĂªncias dentro do sistema tripartite que Ă© o SUS.
Desde 14 de janeiro, uma sĂ©rie de indĂcios, elementos, documentos e provas se avolumaram para indicar que Pazuello e seu ministĂ©rio podem ter sido omissos na crise de escassez de oxigĂªnio.
O general e seus auxiliares diretos foram alertados dia apĂ³s dia sobre o que estava ocorrendo e sobre o que viria a ocorrer.
Agora, Pazuello é alvo da PolĂcia Federal e do MPF (MinistĂ©rio PĂºblico Federal).
E os questionamentos ao governo Bolsonaro na crise em Manaus foram o principal motivo para a abertura da CPI da covid, instalada nesta semana no Senado.
Logo no primeiro dia da CPI, a crise no fornecimento de oxigĂªnio hospitalar em Manaus foi o foco de ao menos cinco requerimentos, vindos tanto de senadores da oposiĂ§Ă£o como de governistas.
O que ocorreu em Manaus?
Dados de vigilĂ¢ncia em saĂºde mostravam um aumento exponencial de novos casos e de mortes por covid-19 em Manaus em dezembro de 2020.
No dia 14, havia 399 pacientes internados em UTIs com o novo coronavĂrus ou com a suspeita de infecĂ§Ă£o pela doença. No dia 21, jĂ¡ eram 450. No dia 28, 540.
O agravamento da pandemia levou o Governo do Amazonas a editar um decreto com medidas restritivas e de distanciamento social, proibindo serviços nĂ£o essenciais, em 23 de dezembro.
Insuflados por polĂticos bolsonaristas, comerciantes protestaram nas ruas contra as medidas. O decreto foi revogado quatro dias depois.
Hospitais da rede pĂºblica continuaram recebendo mais pacientes com Covid-19, para alĂ©m de suas capacidades, e, em janeiro de 2021, jĂ¡ havia um cenĂ¡rio de falta de leitos, inclusive com necessidade de transferĂªncia de pacientes para outros estados.
A alta demanda, com maior gravidade dos casos, provocou um aumento exponencial do consumo de oxigĂªnio medicinal.
No pico da primeira crise, entre abril e maio de 2020, o consumo foi de 30 mil metros cĂºbicos. Em 11 de janeiro de 2021, chegou a 50 mil. No dia 13, 70 mil. E, no dia 14, quando houve o colapso, 76 mil.
Esse consumo continuou crescendo, atĂ© se aproximar dos 100 mil metros cĂºbicos. Faltou oxigĂªnio nos principais hospitais da rede pĂºblica de saĂºde, inclusive no Hospital UniversitĂ¡rio GetĂºlio Vargas, uma unidade de saĂºde federal.
Pacientes morreram asfixiados. Os primeiros levantamentos de investigações conduzidas pelo MPF em Manaus apontaram de 20 a 30 mortes.
Parentes de pacientes se viram desesperados para comprar cilindros de oxigĂªnio na iniciativa privada. Filas se formaram em busca do insumo.
Quem tinha dinheiro pagou UTIs aĂ©reas para transportar doentes a outros estados. Mais de 500 pacientes em condições de saĂºde menos graves, sem dependĂªncia imediata de uma UTI, foram transferidos paulatinamente a outras regiões, em aviões da FAB (Força AĂ©rea Brasileira).
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Foto: Davis Alberto / Secom