Na crise de oxigĂªnio em Manaus, Bolsonaro manda aviĂ£o ‘treinar’ nos EUA
O aviĂ£o chegou na terça (12) Ă Alexandria, Louisiana (EUA), e ficarĂ¡ atĂ© 5 de fevereiro participando de um treinamento militar conjunto com os americanos, chamado Culminating (culminando, em inglĂªs)

Publicado em: 15/01/2021 Ă s 12:35 | Atualizado em: 15/01/2021 Ă s 12:35
Em meio ao agravamento da pandemia, com a falta de oxigĂªnio em Manaus, e Ă s vĂ©speras da campanha de vacinaĂ§Ă£o contra a covid-19, o Brasil perdeu uma das suas parcas estrelas do combate logĂstico Ă crise sanitĂ¡ria.
Trata-se de um aviĂ£o de transporte Embraer KC-390 Millennium da FAB (Força AĂ©rea Brasileira), um dos quatro em operaĂ§Ă£o no paĂs.
É a aeronave com maior capacidade de carga em serviço, podendo levar até 26 toneladas.
O aviĂ£o chegou na terça (12) Ă Alexandria, Louisiana (EUA), e ficarĂ¡ atĂ© 5 de fevereiro participando de um treinamento militar conjunto com os americanos, chamado Culminating (culminando, em inglĂªs).
O modelo, cuja primeira unidade entrou em serviço em setembro de 2019 e a mais recente, em dezembro passado, estĂ¡ sendo usado intensamente em missões de apoio ao longo do ano. Na quarta (13), um deles levou 8 toneladas de equipamentos justamente para Manaus.
A Folha questionou na noite de quinta a Força acerca da decisĂ£o de enviar o aviĂ£o mesmo com a necessidade no Brasil e se havia a possibilidade de chamĂ¡-lo de volta. Ainda nĂ£o obteve resposta.
Um coronel aviador alega que a retirada de operaĂ§Ă£o de uma aeronave em nada prejudicarĂ¡ as atividades contra a covid-19.
A Força tem nominalmente 20 modelos antigos Lockheed-Martin C-130 Hércules, que levam até 19 toneladas de carga, e 11 C-105 Amazonas, que leva sete toneladas.
Talvez sim, tanto que HĂ©rcules estĂ£o sendo usados para levar cilindros de oxigĂªnio para Manaus — sĂ³ na quinta (14), foram 18 toneladas em dois voos.
Eles tĂªm alcance maior do que os KC-390 plenamente carregados, mas o aviĂ£o brasileiro Ă© bem mais rĂ¡pido (870 km/h ante 600 km/h do modelo americano).
TambĂ©m na quinta, circulou por meio de um deputado amazonense a informaĂ§Ă£o de que o Brasil poderia pedir ajuda dos EUA, que enviariam mais oxigĂªnio num aviĂ£o de transporte C-5 Galaxy, um velho gigante que leva atĂ© 127 toneladas.
O argumento do militar Ă© menos defensĂ¡vel quando se lembra que o governo federal quer começar a vacinar pessoas pelo Brasil a partir do dia 20, caso a Anvisa (AgĂªncia Nacional de VigilĂ¢ncia SanitĂ¡ria) aprove os dois imunizantes que analisa no domingo (17).
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Para isso, lembra o mesmo coronel, seria ideal ter toda a frota com o melhor equipamento disponĂvel. Cada aviĂ£o pode contar, isso sem mencionar a questĂ£o simbĂ³lica das prioridades.
A FAB descreveu cada passo da ida do aviĂ£o aos EUA em seu canal no YouTube.
A decisĂ£o tambĂ©m ocorreu num momento em que jĂ¡ hĂ¡ questionamentos nas Forças Armadas acerca da presença do general da ativa Eduardo Pazuello Ă frente do MinistĂ©rio da SaĂºde.
Em dezembro, o comandante do ExĂ©rcito, Edson Leal Pujol, afirmou que nĂ£o deveria haver militares na polĂtica.
O exercĂcio militar em si Ă© de enorme valor operacional para a FAB, e faz parte de uma aproximaĂ§Ă£o entre Brasil e Estados Unidos iniciada em 2017, no governo de Michel Temer (MDB). A presença brasileira estava programada desde o ano passado.
Diversas coisas saĂram desse movimento, como a polĂªmica presença de oficiais brasileiros no Comando Sul dos EUA.
O Culminating Ă©, como o nome diz, um dos pontos culminantes da associaĂ§Ă£o. O exercĂcio de ataque aerotransportado começou em janeiro, com a presença de 203 homens da Brigada de Infantaria Paraquedista do ExĂ©rcito.
Eles estĂ£o treinando com alguns dos melhores especialistas na Ă¡rea do mundo. O KC-390 se integrou ao grupo agora para seu primeiro exercĂcio militar conjunto no exterior, nĂ£o sĂ³ com a Força AĂ©rea americana, mas tambĂ©m com canadenses e italianos.
O ponto alto serĂ¡ um treinamento em que o KC-390 voarĂ¡ com 9 gigantes Boeing C-17 Globemaster e 6 C-130J, a versĂ£o mais moderna do HĂ©rcules. Numa noite, o grupo terĂ¡ de lançar 4.000 paraquedistas em pontos do “territĂ³rio inimigo” simulado em Louisiana.
Do ponto de vista de emprego, serĂ¡ um marco para o aviĂ£o, que entrou em operaĂ§Ă£o pouco antes da pandemia e, nas palavras de um brigadeiro, nĂ£o parou de cruzar os cĂ©us nem um minuto. AtĂ© aqui, ao menos.
Isso nĂ£o significa uso exclusivo. O KC-390 seguiu com sua campanha de testes de certificaĂ§Ă£o final, lançando seus primeiros paraquedistas apĂ³s ser incorporado Ă FAB em 9 de dezembro passado. Mas isso em territĂ³rio brasileiro.
A Embraer começou a desenvolver o cargueiro multimissĂ£o a pedido da FAB em 2008, com investimento de R$ 5 bilhões retornĂ¡veis em forma de royalties de exportaĂ§Ă£o ao longo dos anos.
O Brasil encomendou 28 unidades por R$ 7,2 bilhões, em 2009. Dois outros paĂses jĂ¡ fizeram pedidos, ambos da Otan (aliança militar ocidental): Portugal (5) e Hungria (2).
Se a visita aos EUA visa capacitar os operadores e testar o aviĂ£o em simulações de combate real, hĂ¡ um componente comercial: ele poderĂ¡ chamar a atenĂ§Ă£o dos americanos, donos do maior mercado aeronĂ¡utico militar do mundo e que tĂªm no horizonte a substituiĂ§Ă£o de seus HĂ©rcules.
No mercado internacional, o aviĂ£o Ă© vendido como C-390, e a versĂ£o KC indica que ele tem capacidade de reabastecimento aĂ©reo (C Ă© o cĂ³digo militar para transporte e K, de aviĂ£o-tanque).
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Foto: reproduĂ§Ă£o do Twitter