Marco temporal: o que atinge povos originários com aprovação da Câmara

Com 283 votos favoráveis, 155 contra e apenas uma abstenção, parlamentares avaliam agora os destaques protocolados ao projeto

marco temporal

Publicado em: 30/05/2023 às 20:41 | Atualizado em: 31/05/2023 às 15:54

O plenário da Câmara dos Deputados aprovou, nesta terça-feira (30), o PL 490, que trata sobre regras para demarcação de terras indígenas, o que afeta diretamente os povos originários do Brasil.

Dessa maneira, as bancadas governistas e do cocar passaram o dia em tratativas para derrubar a proposta, no entanto, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), abriu a sessão que terminou com 283 votos favoráveis, 155 contra e apenas uma abstenção. As informações são do Correio Braziliense.

De acordo com o relator da proposta, deputado Arthur Maia (União-BA), o texto aprovado na Câmara é o que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

No entanto, a deputada Célia Xakriabá (PSol-MG) argumenta que o PL 490 é uma ameaça aos povos, especialmente no ponto que “pretende abrir os territórios indígenas de isolamento voluntário”.

Definição

Marco temporal é uma tese jurídica segundo a qual os povos indígenas têm direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição.

A tese surgiu em 2009, em parecer da Advocacia-Geral da União sobre a demarcação da reserva Raposa-Serra do Sol, em Roraima, quando esse critério foi usado.

Em 2003, foi criada a Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ, mas uma parte dela, ocupada pelos indígenas Xokleng e disputada por agricultores, está sendo requerida pelo governo de Santa Catarina no Supremo Tribunal Federal (STF).

O argumento é que essa área, de aproximadamente 80 mil m²,  não estava ocupada em 5 de outubro de 1988.

Os Xokleng, por sua vez, argumentam que a terra estava desocupada na ocasião porque eles haviam sido expulsos de lá.

A decisão sobre o caso de Santa Catarina firmará o entendimento do STF para a validade ou não do marco temporal em todo o País, afetando mais de 80 casos semelhantes e mais de 300 processos de demarcação de terras indígenas que estão pendentes.

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Argumentos favoráveis

Em 2021, o ministro do STF Nunes Marques votou a favor do marco temporal, no caso de Santa Catarina, afirmando que, sem esse prazo, haveria “expansão ilimitada” para áreas “já incorporadas ao mercado imobiliário” no país.

O ministro avaliou ainda que, sem o marco temporal, a “soberania e independência nacional” estariam em risco.

Ele destacou que é preciso considerar o marco temporal em nome da segurança jurídica nacional. “Uma teoria que defenda os limites das terras a um processo permanente de recuperação de posse em razão de um esbulho ancestral naturalmente abre espaço para conflitos de toda a ordem, sem que haja horizonte de pacificação”, disse. [Esbulho é a perda de uma terra invadida.]

Segundo Marques, a posse tradicional não deve ser confundida com posse imemorial.

Marques citou que a Constituição deu prazo de cinco anos para que a União efetuasse a demarcação das terras. Para ele, essa norma demonstra a intenção de estabelecer um marco temporal preciso para definir as áreas indígenas.

O ministro também entende que a ampliação da terra indígena de Santa Catarina requerida pela Funai é indevida, por se sobrepor a uma área de proteção ambiental.

Argumentos contrários

Representantes dos povos indígenas afirmam que o marco temporal ameaça a sobrevivência de muitas comunidades indígenas e de florestas.

Dizem também que trará o caos jurídico ao país e muitos conflitos em áreas já pacificadas, por provocar a revisão de reservas já demarcadas.

O ministro Edson Fachin é o relator do caso e foi o primeiro a votar. Ele foi contrário ao marco temporal.

Para ele, a proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que os indígenas tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal e da configuração de renitente esbulho.

O ministro também afirmou que a Constituição reconhece que o direito dos povos indígenas sobre suas terras de ocupação tradicional é um direito originário, ou seja, anterior à própria formação do Estado.

Fachin salientou que o procedimento demarcatório realizado pelo Estado não cria as terras indígenas – ele apenas as reconhece, já que a demarcação é um ato meramente declaratório.

Fonte: Agência Câmara

Foto: reprodução/Agência Câmara