Políticas equivocadas já comprometem as próximas gerações

O comprometimento do futuro está anunciado. O Brasil precisa rever, urgentemente, suas políticas econômicas e sociais. É o que aponta Samuel Hanan em seu artigo semanal

Políticas equivocadas já comprometem as próximas gerações

Por Samuel Hanan*

Publicado em: 21/07/2025 às 09:42 | Atualizado em: 21/07/2025 às 09:42

O mais recente estudo Atlas da Mobilidade Social, elaborado com base nos dados do IBGE, Receita Federal e Cadastro único, cujo resultado foi publicado pelo jornal Folha de S. Paulo (edição de 6/6/25, página A13), traz dados muito preocupantes porque revela que o futuro das crianças brasileiras está sendo comprometido em razão de políticas públicas equivocadas.

De acordo com o estudo, apenas 1,8% das crianças pertencentes às famílias incluídas entre as 50% mais pobres do país têm chance de obter ascensão social e, quando adultas, se colocarem entre os 10% mais ricos, ainda que, no Brasil, estar nesse patamar signifique ter renda de R$ 8.034,00/mês, pouco mais de 5 salários-mínimos.

A perspectiva não é muito melhor quando se fala em ascensão social capaz de, no futuro, nossas crianças serem incluídas entre os 25% de brasileiros mais ricos – aqueles com renda média mensal de R$ 10.600,00, o equivalente, no máximo, a 7,5 salários-mínimos. O estudo mostra que menos de 10% dessas crianças pobres conseguirão chegar lá.

Dado ainda mais grave aponta que dois terços (66,6%) dessas crianças provavelmente permanecerão entre os 50% mais pobres, na fase adulta. O comprometimento do futuro está anunciado.

Pior ainda é a situação das crianças habitantes das regiões Norte e Nordeste. Elas têm, respectivamente, 78,3% e 76,4% de chance de, quando adultos, permanecerem no mesmo patamar social da infância, percentual muito maior do que as crianças nascidas na região Sul, cuja probabilidade cai para 41,4%.

O quadro futuro será o resultado das políticas públicas dos últimos governos, de pouco ou nenhum progresso no processo distributivo de renda, com reflexo direto no desenvolvimento e na qualidade de vida das crianças pertencentes às famílias dos 50% mais pobres do país.

As consequências na educação também se prenunciam devastadoras. O novo estudo do Atlas da Mobilidade Social denuncia que somente metade das crianças das famílias mais pobres conseguirá concluir o ensino médio. Obter um diploma de faculdade será ainda mais difícil: apenas 1,9% dessas crianças – ou 2 em cada 100 – concluirão o ensino superior, diz o estudo. É muito pouco. E tem algo muito errado.

No Brasil, 66% dos jovens não atingem o nível básico para atender o mercado de trabalho. Ou seja, dois terços de nossos jovens não têm a mínima chance de obter sucesso na vida, especialmente em um mundo altamente tecnológico e ainda mais desafiador diante do avanço da Inteligência Artificial. Para efeito de comparação, no Chile esse número é de 44% e, entre os jovens europeus, de 20%.

Enfim, nossos atrasos de hoje são o retrato dos seguidos erros nas políticas públicas implementadas, grande parte delas calcada em favores e de caráter demagógico e eleitoreiro.

O Brasil precisa rever, urgentemente, suas políticas econômicas e sociais, pois alguns dos grandes problemas do país vêm sendo ignorados e pouco divulgados, como a insegurança alimentar, trabalho infantil, falta de acesso à educação, evasão escolar, precariedade na saúde e baixos índices de saneamento básico (quase inexistente em uma nação que ostenta a posição de 10ª economia do mundo). Tudo impactando negativamente a vida das crianças pertencentes às famílias mais pobres.

A educação precisa ser prioridade de fato e não elemento de propaganda ou de política eleitoreira, nas quais os números são superlativos, mas desmentidos em avaliações sérias como o do Pisa, o estudo comparativo internacional que avalia o desempenho dos estudantes de 15 anos em leitura, matemática e ciências. É igualmente premente que o saneamento básico seja universalizado para garantir mais saúde e melhor condição de vida, e necessário melhorar a alimentação das crianças, com mais proteínas, sobretudo na faixa de 0 a 4 anos de idade, etapa da conformação cerebral.

Além disso, a eficácia dos maiores projetos sociais – para os quais são destinados bilhões de reais por ano – deve passar a ser medida não pelo número de novos beneficiários, mas pelo número dos que galgaram a ascensão social e passaram a não depender mais dessa transferência de renda governamental.

Melhorar a distribuição de renda é outro caminho fundamental para mudar a realidade brasileira. As diferenças são gritantes. Segundo dados da PNAC Contínua, pesquisa do IBGE, na faixa dos mais ricos 0,5% estão no topo, com renda média mensal de R$ 140.000,00. Apenas 1% ganha R$ 28.659,00 por mês e 5,0% têm renda mensal de R$ 10.313,00. Os que ganham R$ 8.034,00 por mês somam 10,0%. Entre os mais pobres, 50% têm renda mensal de R$ 713,00; 20% recebem R$ 601,00 e 10,0% ganham apenas R$ 516,00 por mês.

Considerando-se a metodologia do Banco Mundial, 27,4% da população brasileira vive abaixo da linha da pobreza. Outros números confirmam essa triste realidade nacional: 70% dos brasileiros têm renda média bruta de até R$ 3.036,00/mês e 90% da população nacional vivem com renda média bruta mensal de até R$ 3.650,00, o correspondente a menos de três salários-mínimos.

Aumentar a renda dos brasileiros deveria ser prioridade. Entretanto, o governo federal, nos últimos 2,5 anos, vem preferindo aumentar os gastos com publicidade/propaganda e patrocínios, via estatais federais (mesmo com algumas delas registrando prejuízos) e com a Lei Rouanet para artistas, cantores e intelectuais (sobretudo os mais renomados e influenciadores), além de expandir e com mais generosidade os penduricalhos e privilégios de categorias que podem ser classificadas como os novos donatários do poder.

E como se não bastasse, desde o início de 2025 vem tirando dinheiro dos pobres e, consequentemente, diminuindo os alimentos nas mesas dos trabalhadores. Vem fazendo isso graças à alteração da lei do reajuste anual do salário-mínimo, atingindo diretamente 27,0 milhões de aposentados e pensionistas do INSS, 4,7 milhões de beneficiários do Benefício de Prestação Continuada (BCP) e ainda quase 35 milhões de trabalhadores do setor privado que têm rendimentos mensais de 1 salário-mínimo.

Não para por aí. Ao decidir pela não correção do valor médio do maior programa social do país, o Bolsa Família, o governo está tirando quase R$ 40,00 por mês de cada beneficiário do programa que assiste 21 milhões de pessoas ou famílias.

Outra marca negativa do governo federal, consequência da inflação alta e fora da meta e já ultrapassando a 5% ao ano, juros Selic de 14,75% ao ano – o recorde em mais de 15 ou 20 anos –, e baixos salários, tem sido a explosão silenciosa (porque pouco noticiada) do nível de inadimplência nos principais programas sociais do governo. Um exemplo é o Minha Casa, Minha Vida – faixa 1, no qual mais de 45% dos contratos registram atraso de um ano. Já no FIES, de financiamento estudantil, a inadimplência já ultrapassou 60%.

O quadro vem se tornando ainda pior com uma nova categoria de endividados, formada por aposentados, servidores públicos e trabalhadores do setor privado. Tudo por conta do Crédito Consignado, empréstimo bancário com taxas de juros mais baixas que as praticadas no mercado, mas ainda assim exorbitantes e suficientes para provocar desarranjos nos orçamentos domésticos dos tomadores de empréstimo. Vendido como bondade, transforma-se em tormento para milhões de famílias.

Não se esclarece que a taxa para aposentados, de ordem de 1,6% ao mês, significa quase 21% ao ano, muito superior ao reajuste anual aplicado às aposentadorias. Pior ainda acontece com o servidor público, com taxa de 1,90% ao ano (25,34% ao ano) e mais grave com os celetistas (setor privado), graças à taxa de 3,9% ao mês (ou 59,25% ao ano). Esse tipo de incentivo nada tem de saudável, pois apenas propiciará ganhos adicionais para as empresas do setor financeiro, uma vez que os riscos de inadimplência ficam muito próximos do zero, dada a garantia ser o próprio salário ou a aposentadoria.

Parece evidente que a preocupação verdadeira não é melhorar a vida do cidadão, mas pavimentar o caminho para as eleições de 2026 quando, sem dúvida, as benesses do governo ganharão ainda mais impulso, provavelmente com a correção do Bolsa Família, expansão do auxílio-gás, programas de refis para garantir perdão de juros e multas para inadimplentes, e outros benefícios.

Então, na prática o governo primeiro tira dos pobres para depois devolver, parte, como se fosse uma benesse ou generosidade, a mais perfeita representação da célebre citação do escritor americano, ativista político libertário e consultor de investimentos Harry Browne: “O Governo é bom em uma coisa. Ele sabe como quebrar as suas pernas apenas para depois lhe dar uma muleta e dizer: “veja, se não fosse pelo governo, você não seria capaz de andar!”.

Enquanto isso, há pouca esperança para as próximas gerações porque o futuro está comprometido em razão de políticas que já se mostram desastrosas e merecem revisão urgente.

*O autor é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”. Site: https://samuelhanan.com.br

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