Vice-governador pede exoneraĂ§Ă£o da Casa Civil e fala em “personagens perigosos”
Carlos Almeida escreveu carta ao governador Wilson Lima. Leia na Ăntegra.

Israel Conte, da redaĂ§Ă£o
Publicado em: 18/05/2020 Ă s 12:21 | Atualizado em: 18/05/2020 Ă s 12:47
O vice-governador Carlos Almeida (PTB) pediu exoneraĂ§Ă£o do cargo de chefe da Casa Civil.
Em carta, obtida em primeira mĂ£o pelo BNC Amazonas, endereçada ao governador Wilson Lima (PSC), Almeida afirmou que “na polĂtica hĂ¡ personagens perigosos, à s vezes, atĂ© mesmo dentro do nosso prĂ³prio barco.”
Almeida diz ainda que seu papel, enquanto homem pĂºblico, foi “sempre de blindar o Amazonas contra esses espectros”, e alertar o governador “sempre, dos caminhos a serem seguidos, para nĂ£o tombar nos rochedos”.
“Todavia, a despeito de todo meu esforço, nĂ£o estou com a mĂ£o no timĂ£o, e jĂ¡ exauri minhas forças remando forte no sentido oposto de muitos nessa GalĂ©. […] Afirmo-lhe nĂ£o seguir pelos atuais rumos, ao passo que lhe comunico minha exoneraĂ§Ă£o da Casa Civil, retirando-me para o ofĂcio inerente Ă vice governadoria.”
Leia, em primeira mĂ£o, a carta de exoneraĂ§Ă£o na Ăntegra.
Senhor Governador,
Nesta Ăºltima quinta-feira voltei para casa mais cedo que o usual, alquebrado e desiludido. A PsiquĂª diz que em momentos de extrema tensĂ£o o passar do tempo Ă© mais arrastado e o aguçamento dos sentidos permite saborear com muito mais intensidade cada sentimento. Foi assim que pude ver, na inocĂªncia dos meus dois filhos bebĂªs, a angĂºstia que me encontrava, pois meus ideais de pai e de homem pĂºblico se confundem. Apertou meu coraĂ§Ă£o ver o sorriso do meu filho e nĂ£o corresponder por estar dragado por preocupações. Que futuro eu construiria para eles? E me tomei taciturno por longos dias. Tal qual nos insights em momentos de trauma, todo meu histĂ³rico me passou pelos olhos, contudo, sob a lente cinza dos momentos atuais. Que futuro construiria para mim? E me Ă© obrigado a pensar assim.
Tenho perfeita consciĂªncia da minha personalidade, aguerrida sim, porĂ©m sempre conciliadora – algo que Ă© atestado por inĂºmeros que comigo conviveram ao longo dos anos -, o que decorre de toda uma vida de desafios. Permito-me um breve histĂ³rico.
Sou filho de engenheiros, de uma mĂ£e aguerrida, hoje advogada, e de um pai conhecidamente duro e probo, ambos amorosos e ciosos do maior dever que tiveram com seus trĂªs filhos: a incrustaĂ§Ă£o de educaĂ§Ă£o e valores. O exemplo sempre me era cobrado, por ser o primogĂªnito. Portanto, numa vida sem luxos e de grandes dificuldades, meus estudos, quase que integrais, em escolas pĂºblicas deveriam refletir a mesma perseverança de meu pai: o penĂºltimo filho, numa famĂlia de nove irmĂ£os, que se educou sĂ³ e sustentou uma famĂlia inteira em tempos difĂceis. Como a ele, nada me veio fĂ¡cil, somente atravĂ©s de muito estudo galguei espaço nas duas faculdades que cursei simultaneamente. Somente atravĂ©s de muito trabalho, pude ajudar no sustento de minha famĂlia. Somente com muito esforço pude lograr aprovaĂ§Ă£o em certames pĂºblicos, dentre os quais o da minha amada Defensoria.
Decerto as histĂ³rias maravilhosas que meu pai contava todos os dias tenham forjado minha visĂ£o mais idealista do mundo, um desejo constante de mudar o que encontrava de errado. As citações de Sidarta Gautama, Carlos Castañeda, BenĂtez, Frank Herbert, dentre muitos ecoam em meus pensamentos como sinalizaĂ§Ă£o para se evitar os mundos distĂ³picos de Orwel ou Huxley. DaĂ minha paixĂ£o pelo exercĂcio de meu ofĂcio enquanto Defensor, o que se vĂª claro nas escolhas profissionais que me levaram a tantos e pĂºblicos embates na busca incessante pelo direito das populações. Contudo, ao perceber que os mais bĂ¡sicos direitos fundamentais exigiam implantaĂ§Ă£o de polĂticas pĂºblicas mais profundas, me creditei ao processo eleitoral, sustentando, dentre vĂ¡rias, a pauta da Moradia, uma das mais graves omissões no Estado do Amazonas.
ApĂ³s um processo eleitoral que nos foi muito duro, chegamos a um Estado em frangalhos, que exigia um sĂ©rio processo de reconstruĂ§Ă£o. E foi justamente o que me propus, ao seu lado, a fazer. Com toda a dedicaĂ§Ă£o e espĂrito pĂºblico, empreguei toda a energia que pude na pasta da SaĂºde, contudo as convulsões internas de março de 2019 fizeram com que o Senhor me chamasse Ă Casa Civil, onde o trabalho de reconstruĂ§Ă£o deveria ser feito, aliado Ă articulaĂ§Ă£o polĂtica. Ao que me dediquei, com perseverança e lealdade durante todo o ano de 2019, o que permitiu a construĂ§Ă£o de um ambiente de austeridade, a autorizar para este ano de 2020, o inĂcio de ações estruturantes, como exemplo, Moradia, no caso Monte Horebe.
Contudo, nĂ£o se singra por Ă¡guas tormentosas sem que se tenha de enfrentar Cila e Caribdes. Em PolĂtica nĂ£o Ă© diferente, e personagens tĂ£o ou mais perigosos se encontram em todos os lugares, Ă s vezes, atĂ© mesmo dentro nosso prĂ³prio barco. Meu papel, enquanto homem pĂºblico, preocupado em fixar mais um tijolo na construĂ§Ă£o de um Amazonas melhor, foi sempre de blindar meu Estado contra esses Espectros, alertando-lhe, sempre, dos caminhos a serem seguidos, para nĂ£o tombar nos rochedos.
Todavia, a despeito de todo meu esforço, nĂ£o estou com a mĂ£o no timĂ£o, e jĂ¡ exauri minhas forças remando forte no sentido oposto de muitos nessa GalĂ©. Portanto, Senhor Governador, agradecendo-lhe toda a confiança que me foi depositada, afirmo-lhe nĂ£o seguir pelos atuais rumos, ao passo que lhe comunico minha exoneraĂ§Ă£o da Casa Civil, retirando-me para o ofĂcio inerente Ă vice governadoria.
Manaus, 18 de maio de 2020.
Carlos Alberto Souza de Almeida Filho