Pressionados, deputados guardam PEC da mensalidade na universidade pública
Pressão política vinda de todos os lados, de dentro e fora do Parlamento, pode ter sido a causa principal para o adiamento da votação

Antônio Paulo, do BNC Amazonas em Brasília
Publicado em: 24/05/2022 às 18:22 | Atualizado em: 24/05/2022 às 19:12
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados retirou de pauta, nesta terça-feira, 24, a votação do parecer da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 206/19, pode obrigar universidades públicas do país a cobrarem mensalidade.
A CCJ informou que a leitura do parecer foi adiada devido à ausência do relator da matéria, o deputado Kim Kataguiri (União-SP). Uma nova data para a discussão ainda não foi decidida.
No entanto, a pressão política vinda de todos os lados, de dentro e fora do Parlamento, pode ter sido a causa principal para o adiamento da votação.
A PEC 206 é de autoria do deputado General Peternelli (União-SP) e a relatoria, do deputado Kim Kataguiri, do mesmo partido.
O texto propõe que as universidades públicas do país cobrem mensalidade, exceto para aqueles que, por critérios definidos pelo governo, não tenham condições de pagar.
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O valor das mensalidades, de acordo com a proposta, seria usado para custear as instituições.
Na justificativa para a proposta, Paternelli indicou que a cobrança da taxa será para os estudantes que podem pagar e que haverá benefícios para a própria universidade.
“A gratuidade generalizada, que não considera a renda, gera distorções gravíssimas, fazendo com que os estudantes ricos – que obviamente tiveram uma formação mais sólida na educação básica – ocupem as vagas disponíveis no vestibular em detrimento da população mais carente, justamente a que mais precisa da formação superior, para mudar sua história de vida”, explicou o parlamentar no texto.
No trecho em que defende que a cobrança de mensalidade reduziria a desigualdade, no entanto, Paternelli escreve “docente” em vez de “discente”:
“A cobrança de taxa para estudantes que possam pagar redunda em benefício para a própria universidade pública e em nada desprestigia a educação superior, uma vez que aqueles sem poder pagar continuarão usufruindo da gratuidade como já deveria ter sido desde o princípio e já estaríamos colhendo melhores benefícios dessas instituições”, declarou.
Relator admite a proposta
Em seu relatório, Kim Kataguiri votou pela admissibilidade da PEC. Assim ele diz:
“O núcleo do direito fundamental social à educação é, portanto, a educação gratuita de ensino fundamental porque é este tipo de educação que permite que a pessoa tenha sua formação básica e ascenda aos outros níveis de ensino”, diz Kaguiri.
No ensino superior, afirma o deputado paulista, o aluno já é adulto e muitas vezes pode conciliar trabalho e estudo.
“É verdade que há casos de alunos no ensino superior em condição de pobreza – e estes devem continuar a ter o benefício da gratuidade – mas permitir que o Estado cobre mensalidades em cursos superiores dos alunos abastados nem de longe altera o núcleo do direito fundamental social à educação”, afirmou o deputado no texto.
“Primeiramente, é preciso lembrar que a educação é direito social, e não individual. Direito social não é cláusula pétrea, nem faria sentido que fosse, porque, constituindo os direitos sociais prestações positivas do Estado, é natural que eles sejam modificados e adaptados conforme a situação econômica e social do país se altere”, argumentou Kataguiri.
Projetos desconectados
Para a presidente da UNE, a amazonense Bruna Brelaz, o governo tem colocado em votação propostas e projetos totalmente desconectados com a realidade e necessidades dos estudantes brasileiros, como aconteceu a semana passada com o homeschooling (ensino domiciliar).
“Cortam recursos de universidades, inviabilizam a expansão de vagas e programas de permanência estudantil e agora, propõe cobrança de mensalidade em instituições, ameaçando a democratização do ensino”, diz a dirigente estudantil.
A presidente da UNE questiona ainda: “A quem interessa essa abertura de precedentes para desmontar a educação superior pública senão a um projeto elitista para a educação?”.
Voto contra
Mesmo sem fazer parte da CCJ, o deputado federal José Ricardo (PT-AM) se manifestou contra a PEC 206/2019, que trata da cobrança de mensalidade nas universidades públicas.
Ele disse que, se for aprovado na Comissão, quando chegar ao plenário votará contra a proposta.
“Um retrocesso, talvez pior do que os cortes de recursos da educação ao longo desses quase quatro anos de governo. Recursos para investimento nas universidades públicas do nosso país. Portanto, projetos e medidas que afetam os estudantes, a educação e o futuro do Brasil”, criticou o petista.
Emendas à educação
O parlamentar lembrou que, nos últimos anos, as emendas de bancada dele estão todas direcionadas à educação: Universidade Federal do Amazonas, Instituto Federal do Amazonas e Universidade do Estado do Amazonas.
“Temos que fortalecer o ensino público e as universidades públicas. Portanto, sou contrário a essa PEC e vamos continuar lutando pela universidade pública de qualidade e para todos e todas”, declarou José Ricardo.
Sem repostas
O BNC Amazonas procurou os três deputados federais da bancada, que têm assento na suplência da CCJ, para saber qual a posição deles e o voto na PEC 206.
O deputado Silas Câmara (Republicanos-AM) informou que não estava em Brasília, mas em visita ao interior do estado.
Os deputados Capitão Alberto Neto (PL-AM) e Delegado Pablo (União-AM) não responderam ao questionamento até a publicação da reportagem.
Foto: Billy Boss/Câmara dos Deputados