As greves e o fim da confiança nos governos e instituições pĂºblicas

Bandeirinha Confiança

Publicado em: 05/06/2018 Ă s 04:30 | Atualizado em: 05/06/2018 Ă s 04:32

A greve dos rodoviĂ¡rios de Manaus, que se encerrou nesta segunda-feira, dia 4, apĂ³s sete dias de duraĂ§Ă£o e com a prisĂ£o de, ao menos, dez manifestantes, 61 Ă´nibus quebrados, populares feridos e milhares de usuĂ¡rios sem conseguir sair ou voltar para casa, nĂ£o pode ser vista como um fato isolado. Ela se junta ao conjunto de acontecimentos vividos no paĂ­s nos Ăºltimos cinco anos que quebra o simbĂ³lico e fino vĂ©u de poder da autoridade pĂºblica e expõe que a confiança dos brasileiros nas instituições de governo Ă© quase nenhuma.

As cenas de revolta do povo registradas nesta segunda-feira, no coraĂ§Ă£o da zona leste de Manaus, a regiĂ£o mais populosa da cidade, extravasaram o basta do cidadĂ£o, do passageiro, do trabalhador, do estudante, que tem valido menos do que os centavos que compõem o preço da passagem. Este, aliĂ¡s, uma caixa-preta nunca aberta, nunca mostrado Ă s claras.

Basta lembrar que quando a tarifa aumentou de R$ 3 para 3,80, patrões e empregados, hoje em um fingido conflito, comemoraram a conquista, enquanto para o usuĂ¡rio sobrava a demagĂ³gica promessa de que o reajuste traria Ă´nibus novos, com ar-condicionado, portas adaptadas para a Faixa Azul, acessibilidade para cadeirantes e ainda sobraria dinheiro para colocar internet nos veĂ­culos.

Essas promessas amenizaram os Ă¢nimos naquele inĂ­cio de 2017. Contudo, passado um ano, a frota continua envelhecida, os mimos prometidos nĂ£o chegaram e, ao invĂ©s de avanço, um retrocesso de uma luta de classe trabalhadora. Favorecidos mesmo sĂ³ uma meia dĂºzia de sindicalistas, de uma mesma famĂ­lia, e outra meia dĂºzia de empresĂ¡rios.

 

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Serviço desrespeitoso

O prejuĂ­zo fica para a populaĂ§Ă£o inteira de uma cidade, que paga alta tarifa por um serviço desprovido do mĂ­nimo de qualidade, de respeito ao usuĂ¡rio consumidor. Isso com a conivĂªncia de quem caberia fiscalizar, representar o cidadĂ£o na proteĂ§Ă£o de seus direitos.

PaciĂªncia tem limite. E a do pacĂ­fico povo de Manaus jĂ¡ dĂ¡ sinais de que chegou a essa divisa. A manifestaĂ§Ă£o deste 4 de junho, nĂ£o fosse a firme intervenĂ§Ă£o da força de segurança do estado, poderia tranquilamente ter resultado em uma tragĂ©dia. O clima de guerra no local do protesto chamava para isso.

Outro exemplo de que hĂ¡ uma fronteira para a paciĂªncia do povo se viu no fim de maio. A greve dos caminheiros parou o paĂ­s e mostrou a ineficiĂªncia e a ausĂªncia total de confiança nos governos. Da mesma, no Amazonas, o estouro da paciĂªncia levou professores a promover o maior movimento paredista dos Ăºltimos tempos (foto), obrigando o governo a ceder a tudo, ou quase tudo, o que os manifestantes queriam.

NĂ£o diferentemente ocorreu com os policiais militares, que tambĂ©m arrancaram suas conquistas trabalhistas na base da pressĂ£o ao governo.

Todos esses movimentos guardam semelhanças entre si: demandas reprimidas a dĂ©cadas, que se resolvem com alguns dias de pressĂ£o e uma mobilizaĂ§Ă£o eficiente das categorias. Mostram ainda que os governos, em todas as esferas, nĂ£o estĂ£o fazendo a leitura correta do poder que hĂ¡ na manifestaĂ§Ă£o coletiva e articulada.

 

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Pedagogia da pressĂ£o e da falta de confiança

E, pelo que se viu, esses atos criam uma pedagogia de que o caminho Ă© esse, alimentado pelo descrĂ©dito das autoridades e das instituições, tal qual ficou demostrado com o que os distĂºrbios de ontem de Manaus fizeram com a PolĂ­cia Militar.

A corporaĂ§Ă£o tentou contornar a situaĂ§Ă£o do quebra-quebra dos Ă´nibus e nĂ£o conseguiu de pronto. SĂ³ depois de umas trĂªs horas de muitas pedradas dos manifestantes, respondidas com bombas de efeito moral, balas de borracha e muito spray de pimenta nos olhos da imprensa e dos populares, Ă© que o distĂºrbio se acalmou. E graças tambĂ©m ao sol que se levantava da zona leste para torrar a cabeça de todos no campo aberto da bola do Produtor, quando jĂ¡ se aproximava o meio-dia.

Esse acontecimento em Manaus veio para mostrar que nem o poder das palavras, nem o poder das forças de segurança, estĂ£o sendo suficientes para conter o estado de insatisfaĂ§Ă£o e de falta de confiança da sociedade.

O povo estĂ¡ gritando. Basta apenas um ouvido para compreendĂª-lo.

 

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Foto: BNC Amazonas