Amazônia: três obras de Lula vão causar sérios danos ambientais
A discordância entre ministérios e a falta de inclusão no Novo PAC geram debate sobre os impactos ambientais e a sustentabilidade na região.

Antônio Paulo, do BNC Amazonas em Brasília
Publicado em: 03/04/2024 às 19:33 | Atualizado em: 04/04/2024 às 12:34
Pelo menos três obras e ações de grande impacto ambiental, segundo especialistas e militantes do meio ambiente, devem ser “tocadas” pelo governo do presidente Lula da Silva nos próximos anos.
São elas: a ferrovia Ferrogrão, entre o Mato Grosso e Pará, a exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas, próximo ao estado do Amapá, e a pavimentação da BR-319 (Amazonas-Rondônia).
Embora parte do governo, como as ministras do Meio Ambiente, Marina Silva, e dos Povos Originários, Sônia Guajajara, seja contra esses empreendimentos no Centro-Oeste e na Amazônia, outra ala – ministérios dos Transportes, Agricultura e Desenvolvimento Regional – é a favor das construções.
Além disso, a Ferrogrão, o petróleo na foz do Amazonas e a BR-319 têm o apoio do Congresso Nacional principalmente da bancada ruralista, assim como dos deputados e senadores da “porteira aberta para deixar a boiada passar”, no dizer do ex-ministro do Meio Ambiente do governo Bolsonaro, hoje deputado federal, Ricardo Salles (PL-SP).

Mas, de tão polêmicos, nenhum desses empreendimentos se encontra no Novo PAC de Lula. No entanto, o debate dentro do governo está acelerado como a BR-319, que aguarda o relatório do grupo de trabalho do Ministério dos Transportes, o qual é favorável à obra.
Do mesmo modo, a exploração do petróleo na foz do rio Amazonas que também espera novos estudos de impactos ambientais solicitados pela Petrobrás, que tem interesse no investimento.
Leia mais
Tribunal de indígenas, pescadores e entidades sociais condena Ferrogrão
Ferrogrão
No último dia 26 de março, em Belém (PA), ao receber a Ordem Nacional da Legião de Honra, a maior condecoração concedida pela França, diante dos presidentes Emmanuel Macron e Lula, o lendário cacique Raoni Metuktire pediu que não seja aprovada a construção da ferrovia Ferrogrão, que ligaria Sinop, no Mato Grosso, ao porto de Miritituba, no Pará.
Para estudiosos, essa ferrovia entre o Centro-Oeste e Norte, é um projeto que transformará a Amazônia em soja e não cumprirá papel no comércio internacional.
A ambientalista Telma Monteiro, estudiosa da Ferrogrão, diz que 436mil quilômetros quadrados de floresta amazônica podem desaparecer e o objetivo comercial do projeto pode estar comprometido devido a crise no canal do Panamá.
Impactos
De acordo com os estudos da ambientalista e do pesquisador da Universidade Federal do Pará Tarcísio Silva, ficou provado que a Ferrogrão não se sustenta. Estudos econômicos e financeiros mostraram que os números apresentados pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) não correspondem à realidade.
Segundo eles, todos os indicadores demostram que se o projeto sair do papel provocará fragilidade social, violência urbana, desassistência, aumento do desmatamento, falta de saneamento, contaminação dos povos indígenas, das populações vulneráveis e dos rios pelo mercúrio usado no garimpo, já descontrolado.
O estudo aponta que pelo menos 16 terras indígenas e 104 assentamentos rurais serão afetados pelos impactos da ferrovia, a qual afetaria profundamente os modos de vida e direitos dos habitantes da região, que em nenhum momento chegaram a ser consultados.
Além do mais, Telma disse que fora todos esses problemas ambientais, com a transformação da floresta em plantações de soja, o projeto também não servirá para o agronegócio uma vez que conseguirá levar as commodities (soja, milho, madeira, minério e carne) até o oceano Pacífico, pois o canal do Panamá vive uma verdadeira crise climática que compromete o seu funcionamento. Desde 2020, o canal vem secando.
Leia a entrevista da ambientalista na Fórum
Grupo de trabalho
Em novembro de 2023, o ministro dos Transportes, Renan Filho, criou o grupo de trabalho Ferrogrão para analisar a viabilidade técnica, econômica e ambiental da ferrovia.
Desse modo, nos próximos dias 6 e 7 de maio, o Ministério dos Transportes e a ANTT vão fazer um seminário em Santarém, no Pará, com a presença dos setores que participam desse grupo para fechar a publicação dos estudos e apresentá-los ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, onde o empreendimento está sendo contestado pelos povos indígenas da região.
Leia mais
População apoia extrair petróleo na foz do rio Amazonas, com licença ambiental
Exploração de petróleo
Já o pedido para perfurar poços de petróleo na bacia marítima da foz do Amazonas, também chamada de Margem Equatorial, está em análise. A Petrobrás tenta destravar a licença junto ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), depois da última negativa que recebeu, em maio de 2023.
O plano da petroleira prevê um investimento de US$ 3,1 bilhões de dólares na região até 2028 e abertura de 16 poços – a começar pelo o FZA-M-59. Em 2018, a francesa Total, que também estava na corrida, desistiu da empreitada após a negativa do Ibama, na sequência da descoberta de um recife de corais até então desconhecido pela ciência.
Enquanto o Ibama analisa pedido para exploração do combustível fóssil na costa da foz do rio Amazonas, especialistas alertam para riscos e catástrofe em caso de vazamento nesta região ainda pouca conhecida.
Riscos
Para Ricardo Fujii, especialista de conservação do WWF-Brasil, os impactos ambientais da exploração de petróleo e gás na foz da Amazônia são relevantes, principalmente para os estados do Amapá e Pará. E tais impactos são classificados em potenciais e os líquidos e certos.
“Entre esses impactos potenciais, que advém do derramamento de óleo, tem todo impacto sobre os peixes, tartarugas, mamíferos marinhos e aí a gente consegue imaginar como isso afeta a pesca comercial, a pesca artesanal na região. Desse modo, esse óleo pode chegar nos rios, manguezais da região e aí haverás impacto não somente nos peixes, mas também mariscos, jacarés e onças pintadas, sendo que no Amapá é onde está uma das maiores concentrações de onças pintadas no Brasil”, disse Fujii ao BNC.
Prejuízos à pesca
Por outro lado, os impactos líquidos e certos são aqueles que ocorrerão de forma invariável. O ambientalista do WWF-Brasil cita a movimentação das embarcações, assim como as aeronaves indo e voltando para as plataformas de petróleo.
“Isso gera um trânsito intenso e conflita com a atividade de pesca artesanal ou comercial, além de promover a criação de zonas de exclusão da pesca próximo a essas plataformas. E ainda o que causará com a própria perfuração do petróleo, trazendo a lama e os insumos químicos que serão injetados ou descartados em alto-mar”, adverte o especialista em conservação
Ricardo Fujji, do WWF-Brasil também cita os impactos econômicos, sociais e na saúde das populações já que a exploração petrolífera vai elevar o custo de vida, inflação, pressão sobre os serviços públicos de saúde e segurança pública nas cidades afetadas, ocupação irregular que levará ao desmatamento.
Leia mais
Pautas ambientais: deputados engolem Marina e BR-319 tem chance
BR-319
A terceira grande obra na Amazônia, que todos dizem vai causar impactos ambientais, mas o governo Lula deverá aprovar a sua execução, é a BR-319, com a pavimentação dos quase 500 quilômetros do trecho do meio da estrada.
Em fevereiro deste ano, o BNC Amazonas publicou um artigo da revista científica Nature, de autoria do pesquisador Lucas Ferrante, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), e Guilherme Becker, pesquisador e microbiologista da Penn State University (EUA).
Em um alerta científico, o estudo enfatiza a urgência de interromper a destruição na Amazônia e inclui a pavimentação da BR-319 como um fator de destruição.
Diz ainda que é urgente deter a construção de novas estradas que “vêm alimentando o desmatamento” na Amazônia, com destaque para a rodovia BR-319, bem como os projetos de exploração de combustíveis fósseis na região.
Leia mais
Convenção da OIT
Ao BNC Amazonas, a secretária executiva do Observatório BR-319, Fernanda Meirelles, disse que a organização não é contra a repavimentação ou qualquer obra da BR-319, mas defende que o ordenamento jurídico sobre a legislação socioambiental seja respeitado.
Assim sendo, disse Meirelles, é necessário que as consultas livres, prévias e informadas, conforme a Convenção nº 169 da OIT, sejam cumpridas e que medidas sejam tomadas para fortalecer a governança em territórios locais, em unidades de conservação e terras indígenas.
Além disso, alega a secretária executiva do Observatório BR-319, o não cumprimento da lei coloca em risco a sociobioeconomia a região das bacias dos rios Purus e Madeira, pois deixa vulnerável à exploração predatória e ocupação desordenada áreas estratégicas para o extrativismo, como as áreas de castanhais, copaibais, áreas de manejo pesqueiro e até madeireiro.
Sem atropelo
“Por fim, insistir em atropelar o devido processo legal pode levar ao desperdício de recursos públicos e travar o andamento de ações de recuperação da rodovia. Portanto, o OBR-319 e suas organizações-membro se posicionam ao lado da lei por um processo que respeite os direitos legais constituídos dos povos da floresta e o fortalecimento das medidas necessárias para a sustentabilidade de comunidades tradicionais, indígenas e de municípios”, afirma Fernanda Meirelles.
Fotomontagem BNC Amazonas