Abuso de autoridade Ă© posto em pauta por casos Cruz e Miller

Publicado em: 12/11/2017 Ă s 09:55 | Atualizado em: 12/11/2017 Ă s 11:02

Por Rosiene Carvalho, da RedaĂ§Ă£o

 

As polĂªmicas  discussões  sobre a Lei de Abuso de Autoridade voltaram Ă  tona esta semana  com a pauta  de  dois casos envolvendo altas autoridades do MinistĂ©rio  PĂºblico: a completa absolviĂ§Ă£o do ex-procurador geral de Justiça Vicente Cruz, apĂ³s 11 anos do linchamento pĂºblico, sob a suspeita de  tentativa de assassinato  do entĂ£o procurador e  ministro do  STJ Mauro  Campbell, e  as mensagens de  membros investigados do grupo J&F investigados com um dos procuradores da Lava-Jato Marcello Miller.

Casos emblemĂ¡ticos como esses expõe como rĂ©us, sob qualquer condiĂ§Ă£o, estĂ£o expostos a prĂ¡ticas discutĂ­veis por parte dos investigadores.

O conselheiro federal da OAB JosĂ© Alberto Simonetti e o cientista social Marcelo SerĂ¡fico, ouvidos pelo BNC, apontam riscos irreversĂ­veis para os rĂ©us e para as conquistas sociais coletivas, quando, eventualmente, os mesmos forem inocentados ao fim do processo, seja por falhas na investigaĂ§Ă£o ou por serem de fato inocentes.

Para eles, hĂ¡ exemplos diĂ¡rios de dilacerações de vidas pĂºblicas sem que o processo tenha chegado ao final de seu curso.

As alterações na Lei de Abuso de Autoridade querem aumentar o rigor da responsabilizaĂ§Ă£o dos condutores de  investigações e trĂ¢mites de processos. JuĂ­zes e membros do MP temem que a liberdade e autonomia das investigações possam ser feridas de morte com a aprovaĂ§Ă£o da lei.

Aprovada no Senado, sob aplausos da classe polĂ­tica e investigados da Lava-Jato, a Lei de Abuso de Autoridade tramita agora na  CĂ¢mara dos Deputados.

Era do justiçamento

Para o cientista social Marcelo SerĂ¡fico, o paĂ­s vive hoje resultado da sensaĂ§Ă£o de que  a lei nĂ£o atingia poderosos. A fase Ă© justiçamento e nĂ£o de justiça, avalia.

“HĂ¡ uma ideia de que  a lei estĂ¡ chegando de maneira equĂ¢nime a todos. Mas nĂ£o estĂ¡ chegando como justiça mas em forma de justiçamento. HĂ¡ uma espĂ©cie de conluio entre entidades fiscalizadoras e a grande mĂ­dia, que condenam e expõem antes de serem levantadas as teses contraditĂ³rias, apresentando rostos sem que haja prova”, afirmou.

Para o advogado Alberto Simonetti, relator no Conselho Federal da OAB das propostas da Ordem para a Lei de Abuso de Autoridade, o PaĂ­s, de fato, vive um momento de “altĂ­ssima acusaĂ§Ă£o” e esquecimento que todos estĂ£o se sujeitando ao mesmo tipo de abuso. “Todos sĂ£o prĂ©-julgados. Determinados Ă³rgĂ£os ou agentes, inclusive, se utilizam de estratagemas para ludibriar a populaĂ§Ă£o, seja vazando informações fora de contextos, seja promovendo espetĂ¡culos. Esquecemos que todos nĂ³s estamos expostos aos abusos”, disse.

PrĂ©-condenaĂ§Ă£o

Simonetti disse que, “ao contrĂ¡rio da inquisiĂ§Ă£o e do holocausto”, a justiça presume que todos sĂ£o inocentes e cabe ao Estado provar que nĂ£o sĂ£o. “E tem que fazer de maneira lĂ­cita, pois, se a missĂ£o do Estado Ă© combater criminosos, nĂ£o pode ele se portar como um criminoso tambĂ©m”, disse.

Marcelo SerĂ¡fico afirma que as divulgações de escutas telefĂ´nicas fora de contexto vazadas dos processos cria um clima de julgamento social.

“Isso Ă© pernicioso e pressiona o sistema judiciĂ¡rio. E o desmoraliza (…) DeverĂ­amos ser a favor, nĂ£o da condenaĂ§Ă£o, mas sim de uma averiguaĂ§Ă£o criteriosa e rigorosa das acusações feitas. É muito estranho quando uma pessoa Ă© mantida presa, submetida a determinados  tipos de tratamento sem que haja qualquer justificativa legal para isso”, disse o sociĂ³logo.

Simonetti disse que a lei que serve para  todos os  cidadĂ£os tambĂ©m deve servir para aqueles que recebem dinheiro e poder pĂºblicos para investigar irregularidades.

“Eles sĂ£o servidores do povo, nĂ£o seus senhores, tudo que podem, podem somente porque o Estado os autorizou a fazer para servir ao povo. Se nĂ£o hĂ¡ controle desse tipo de aĂ§Ă£o, fica muito simples para quaisquer dessas autoridades abusar dos indivĂ­duos, que nĂ£o tĂªm como se defender. Veja quantas vidas jĂ¡ foram destruĂ­das, mas ninguĂ©m Ă© punido por fazĂª-lo”, disse.

ResponsabilizaĂ§Ă£o 

SerĂ¡fico sustenta que agentes pĂºblicos de investigaĂ§Ă£o devem ter compromisso  com a promoĂ§Ă£o da justiça e responsabilizaĂ§Ă£o por eventuais desvios no curso dessas investigações.

“O papel de um promotor de Justiça nĂ£o Ă© o de promoĂ§Ă£o de condenaĂ§Ă£o nem de libertar. É o de promover a  Justiça”, disse.

SerĂ¡fico ressaltou que, embora o direito de todas as pessoas se fragilize a cada abuso em investigações, casos desta natureza sĂ³ ganham destaque quando  atingem pessoas  de maior poder aquisitivo e destaque social.

“Pode acontecer com qualquer um (…) SĂ³ aparece neste contexto. Quando um cidadĂ£o comum Ă© vĂ­tima de abuso de poder Ă© como se tivesse tudo normal. É uma mostra do quanto Ă© grande a nossa desigualdade e o quanto elas pautam nossos debates e como tratamos nossos problemas”, disse o sociĂ³logo.

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