Projetos no Congresso legalizam devastação em terras indígenas
Alerta é da Apib, que pede arquivamento de dois projetos sobre atividades econômicas nas terras.

Antônio Paulo, do BNC Amazonas em Brasília
Publicado em: 15/08/2025 às 19:46 | Atualizado em: 15/08/2025 às 19:46
Após a “boiada” passar e aprovar o “PL da devastação”, que flexibiliza o licenciamento ambiental, mais duas propostas, em tramitação no Congresso Nacional representam uma ameaça direta e grave aos direitos fundamentais dos povos indígenas brasileiros.
Esses projetos, 1331/2022 e 6050/2023, preveem a abertura dos territórios indígenas a atividades econômicas como mineração, produção de energia, agricultura comercial e turismo.
Por conta disso, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) está pedindo o arquivamento das propostas para respeitar o Estado Democrático de Direito e os compromissos internacionais do Brasil.
Em nota técnica, em que detalha todos os pontos dos projetos, a entidade afirma que ambos violam direitos essenciais e intensificam as violências contra as comunidades.
“Essas proposições se inserem em um contexto de tentativas sistemáticas de enfraquecer a proteção constitucional garantida aos povos originários, reatualizando trechos do projeto de lei 191/2020, que já havia sido amplamente contestado e arquivado por inconstitucionalidade a pedido da Apib e do próprio presidente da República”, diz o documento.
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Mineração
De autoria do senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR), o projeto 1331/2022, busca regulamentar a pesquisa e a lavra de recursos minerais em terras indígenas homologadas ou em processo de demarcação.
Contudo, a Apib destaca sérias inconstitucionalidades, como violação do direito ao usufruto exclusivo, pois, ao autorizar o garimpo por terceiros em terras indígenas, o projeto afronta diretamente o Art. 231, §2º da Constituição.
Esse direito abrange a totalidade dos bens que compõem o território, incluindo recursos minerais, águas, e a dimensão cultural e espiritual.
Do mesmo modo, permite que terceiros, como empresas privadas, explorem garimpo mediante autorização estatal, submetendo os direitos originários a uma lógica de concessão administrativa ou licenciamento ambiental, o que descaracteriza o regime especial de proteção.
Impactos profundos
“O projeto carece de critérios claros para a consulta, mecanismos de compensação adequados, garantias de proteção ambiental e previsão de veto comunitário. Além disso, ao prever a possibilidade de mineração por terceiros e livre iniciativa indígena, o projeto desconsidera os profundos impactos profundos sobre modos de vida, saúde e segurança alimentar das comunidades”, diz a nota técnica da Apib.
Além disso, há flagrante inconstitucionalidade formal, segundo a entidade. O artigo. 231, §3º, da Constituição, exige uma lei complementar específica para a exploração de recursos minerais em terras indígenas, mas o projeto 1331/2022 é uma lei ordinária, portanto, viola a hierarquia normativa e o procedimento constitucional obrigatório.
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Atividades econômicas
Na mesma linha de “devastação”, tramita o projeto 6050/2023. De autoria da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das ongs, esse projeto regulamenta diversas atividades econômicas em terras indígenas, incluindo mineração, garimpo, exploração de hidrocarbonetos e geração de energia hidrelétrica.
Nesse sentido, a Apib avalia que o projeto de lei converte o garimpo, uma prática historicamente associada à ilegalidade e violência, em atividade econômica legítima, afrontando preceitos constitucionais fundamentais e esvaziando a exigência de consulta prévia.
“Ao permitir a instalação de infraestrutura (estradas, ferrovias, sistemas elétricos) e a realização de atividades econômicas comerciais e industriais, o projeto cria brechas para a ocupação e exploração por interesses externos, promovendo a mercantilização das terras indígenas”, afirma
Consulta prévia
Por fim, a Apib alega flagrante inconstitucionalidade no projeto 6050, isso porque ele teria sido elaborado e apresentado sem qualquer consulta prévia, livre e informada às comunidades indígenas ou a participação de suas entidades representativas.
Essa ausência de consulta às comunidades afetadas, viola diretamente os princípios da participação e da autodeterminação indígena, comprometendo a legitimidade democrática do processo legislativo já reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Efeitos devastadores
“A mineração ilegal, que esses projetos podem inadvertidamente legalizar e expandir, já causa impactos socioambientais devastadores em terras indígenas, afetando as dimensões ambiental, social, sanitária e cultural. Os casos dos povos ianomâmis e mundurucus são exemplos contundentes” argumenta a Apib.
O documento informa que o povo ianomâmi, entre os estados do Amazonas e Roraima, enfrenta uma das crises humanitárias mais graves do Brasil, com um colapso sanitário que inclui desnutrição infantil, malária e violência sexual. E a presença de cerca de 20 mil garimpeiros ilegais no território impedia a locomoção e o cultivo dos próprios alimentos.
Já o povo mundurucu, no sudoeste do Pará, teve seu território invadido por operações articuladas de garimpeiros ilegais, muitas vezes protegidos por milícias e facções criminosas.
Foto: arquivo/Agência Brasil