MPF pode barrar termelétrica do Azulão por licenciamento incompleto
Por não consultar povos originários da região, licenciamento ambiental para exploração de gás natural também é questionado

Antônio Paulo do BNC Amazonas em Brasília
Publicado em: 23/11/2023 às 09:00 | Atualizado em: 23/11/2023 às 09:39
O Ministério Público Federal (MPF) voltou a se manifestar contra o projeto de instalação da usina termelétrica do complexo Azulão, na bacia hidrográfica do Amazonas.
O órgão sustenta que o processo de licenciamento ambiental deve ser conduzido pelo Ibama e conter estudo de componente indígena, além de consulta livre, prévia, informada e de boa-fé às comunidades.
“Portanto, o objetivo é garantir a consulta aos povos indígenas e tradicionais da região, que compreende os municípios de Silves e Itapiranga, no Amazonas. Bem como a correta e regular execução do processo de licenciamento ambiental do empreendimento, com a elaboração do estudo de componente indígena”, diz o MPF.
A usina termelétrica terá potência de 1.083 MW, suficiente para atender 4 milhões de residências, e tem início de operação previsto para o fim de 2026.
De acordo com o planejamento da empresa privada Eneva, operadora de gás natural onshore do Brasil, serão investidos R$ 5,8 bilhões no interior do Amazonas até a conclusão do complexo do Azulão.
Segundo a empresa, no complexo do Azulão é realizada a exploração do gás natural, liquefação, estocagem e envio das cargas do produto para o estado de Roraima, com o objetivo de abastecer a termelétrica de Jaguatirica 2.
O projeto Azulão-Jaguatirica permite que o gás natural da bacia do rio Solimões se transforme em energia elétrica para abastecer cerca de 70% do consumo do estado vizinho ao Amazonas.
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Licenciamento ambiental
De acordo com o MPF, a empresa Eneva e o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), ao solicitarem e analisarem o licenciamento ambiental (estudo e relatório de impacto ambiental) para o empreendimento, não consideraram a existência de terras indígenas em processo de demarcação.
Ou seja, a exploração de gás e o seu licenciamento ignoraram a presença de indígenas, os impactos às comunidades e os territórios tradicionais de ribeirinhos e extrativistas.
Terras indígenas
Segundo relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), há sete aldeias indígenas em Silves e duas em Itapiranga, compreendendo as etnias mura, munduruku e gavião, que não têm o seu processo demarcatório concluído.
Diz ainda que, em recomendações já realizadas pelo Ministério dos Povos Indígenas e pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), foi solicitada a suspensão do processo de licenciamento ambiental das atividades de exploração de gás no campo do Azulão.
“Diante dos fatos constatados, fica claro que o empreendimento afeta comunidades em terras indígenas, mesmo ainda não homologadas, e territórios tradicionais, o que faz com que o Ibama seja o órgão competente para a realização do licenciamento”, diz o MPF do Amazonas.
Por fim, o órgão afirmou que mantém na Justiça, em grau de recurso, parecer que pede a manutenção da suspensão das licenças ambientais emitidas pelo Ipaam, com a consequente determinação para que sejam realizados o estudo de componente indígena, a consulta prévia e a remessa do licenciamento para análise do Ibama.
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O que diz a empresa
Em resposta ao parecer e questionamentos do MPF, a empresa disse que a
Funai atesta não existir terras indígenas homologadas ou mesmo em estudo na área de influência do complexo do Azulão, composto pela termelétrica, rede de dutos e poços produtores.
Além disso, conforme afirmou, a usina termelétrica está em fase de licenciamento ambiental, assim como os empreendimentos já licenciados e em operação, que atendem parte da demanda energética de Roraima.
“É importante ressaltar que a legislação em vigor preconiza a necessidade de estudos de componente indígena de acordo com o tipo do projeto, o que não se aplica nesse caso. Isso porque para projetos como o complexo do Azulão devem ser levadas em consideração terras indígenas, situadas a 10 km de distância ou menos”, diz nota da empresa encaminhada ao BNC Amazonas.
A companhia ressalta, entretanto, que as áreas indígenas mais próximas do empreendimento, conforme informações oficiais divulgadas no site da própria Funai, estão a mais de 30 quilômetros de distância.
Competência do Ipaam
“Importante ressaltar ainda que a ANP (Agência Nacional de Petróleo), quando definiu os limites dos blocos exploratórios de óleo e gás, fez as consultas a potenciais áreas e terras indígenas consolidadas. Só depois de confirmada a inexistência é que os blocos foram licitados pela agência”, disse a empresa.
Disse ainda que, por conta disso, em virtude de não haver terras indígenas e pela própria tipologia das atividades, a competência para licenciar é integralmente do órgão ambiental estadual (Ipaam).
No caso da usina termelétrica do Azulão, também questionada pelo MPF, a empresa disse que
foi firmado um acordo de cooperação técnica (15/2023) entre Ibama e Ipaam, fundamentando a delegação de competência do Ibama para o órgão estadual.
Cumprimento das leis
A companhia afirmou também que todos os processos de licenciamentos de seus empreendimentos na Amazônia cumprem rigorosamente as leis e os regulamentos e que a preservação ambiental é inegociável.
Segundo a empresa, a Justiça ratificou a regularidade do processo de licenciamento do complexo do Azulão e restabeleceu as licenças que haviam sido suspensas por uma decisão de caráter liminar.
“Deste modo, a companhia seguiu e segue a legislação vigente para obtenção do licenciamento ambiental”.
Em relação ao MPF, a empresa disse que foram realizadas reuniões presenciais, na Procuradoria da República no Amazonas, quando foram apresentados documentos e esclarecimentos sobre as atividades da empresa e o projeto do Azulão.
“Houve ainda a oportunidade de fornecer mais explicações sobre pontos como: a competência para licenciar ser integralmente do Ipaam (órgão ambiental estadual), e a não necessidade de realização de estudo de componente indígena, dentre outros”, conforme a empresa.
Foto: divulgação