MourĂ£o e o jogo de cena de vistosas operações militares na AmazĂ´nia
ObstĂ¡culo tĂ£o ou mais importante Ă© a concepĂ§Ă£o de soberania nacional que enquadra o pensamento dos militares no governo em relaĂ§Ă£o ao meio ambiente

Publicado em: 12/11/2020 Ă s 16:09 | Atualizado em: 12/11/2020 Ă s 19:06
A avaliaĂ§Ă£o feita pela pesquisadora do Cebrap, a professora de CiĂªncias PolĂticas da USP Maria HermĂnia Tavares avalia o desempenho do governo Bolsonaro na questĂ£o ambiental e mais detidamente a postura do vice-presidente, Hamilton MourĂ£o, Ă frente do Conselho Nacional da AmazĂ´nia Legal.
Na semana passada o vice trouxe ao Amazonas uma comitiva de embaixadores dos paĂses financiadores do Fundo AmazĂ´nia e mostrou uma regiĂ£o longe das queimadas, mas a manobra nĂ£o deu certo e os diplomatas endureceram ainda mais as recomendações sobre o Brasil.
Para a pesquisadora o governo precisa deixar o negacionismo de lado e partir para ações prĂ¡ticas de cuidados ao meio ambiente para despontar como protagonista internacional.
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A vitĂ³ria de Joe Biden abre uma fresta de esperança de que se possa evitar a catĂ¡strofe climĂ¡tica provocada pelo aquecimento do planeta.
O esperado retorno dos EUA ao Acordo de Paris, a disposiĂ§Ă£o da UniĂ£o Europeia a abraçar uma agenda de recuperaĂ§Ă£o econĂ´mica verde e o compromisso unilateral da China com a descarbonizaĂ§Ă£o total atĂ© 2060 dĂ£o margem a moderado otimismo.
Nesse quadro, o Brasil poderia voltar a ser um ator internacional relevante, numa das poucas arenas nas quais tem trunfos considerĂ¡veis.
Para tanto, porĂ©m, o governo teria de abandonar a sua tola atitude negacionista, munindo-se de Ă¢nimo e aptidĂ£o para conter o desmatamento, a fim de proteger a AmazĂ´nia e sua biodiversidade —o cerne de nossa questĂ£o ambiental.
Apesar da limitada capacidade estatal de fazer cumprir as regras existentes, o paĂs tem um bom marco legal e bons instrumentos de monitoramento —ainda que deliberadamente debilitados pela dupla Bolsonaro-Salles.
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ObstĂ¡culo tĂ£o ou mais importante Ă© a concepĂ§Ă£o de soberania nacional que enquadra o pensamento dos militares no governo em relaĂ§Ă£o ao meio ambiente.
HĂ¡ pouco, o Conselho Nacional da AmazĂ´nia Legal, presidido pelo vice, Hamilton MourĂ£o, ao lado de uma agenda de temas relevantes — combate aos ilĂcitos ambientais e estĂmulo Ă inovaĂ§Ă£o e Ă bioeconomia —, debateu um documento revelador.
O texto fala da gula das grandes potĂªncias e organizações internacionais pelo estoque de recursos hĂdricos do paĂs e o suposto conluio entre entidades ambientalistas e governos europeus.
No mesmo tom, durante a reuniĂ£o se propĂ´s o controle das ações das ONGs presentes na regiĂ£o, em nome do interesse nacional.
A fantasia de que toda pressĂ£o externa visa o acesso a nossos recursos estratĂ©gicos e que organizações nĂ£o governamentais — ou mesmo populações indĂgenas — estĂ£o prontas a servir Ă ganĂ¢ncia estrangeira cria uma linha de defesa contra inimigos imaginĂ¡rios e tolhe a capacidade de mobilizaĂ§Ă£o necessĂ¡ria para uma aĂ§Ă£o eficaz.
HĂ¡ no Brasil forças valiosas — na opiniĂ£o pĂºblica, na sociedade organizada, no empresariado e nos governos subnacionais — capazes de dar lastro a iniciativas comprometidas com a sustentabilidade, o que transformaria cobranças em apoio externo concreto.
Mas, sem aposentar ideias arcaicas, fortalecer os meios de monitoramento e controle, incorporar a experiĂªncia das comunidades locais e das organizações ambientalistas enraizadas hĂ¡ dĂ©cadas na regiĂ£o, e ainda sem recursos internacionais, as vistosas operações militares e os pronunciamentos do vice-presidente serĂ£o apenas jogo de cena, em prejuĂzo do paĂs.
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