Missão religiosa dos EUA ergue mansões em reserva no Amazonas

Missão dos EUA é investigada por ocupar terras e barrar ribeirinhos em reserva no Amazonas.

Social Midia, da Redação do BNC Amazonas*

Publicado em: 01/07/2025 às 17:14 | Atualizado em: 01/07/2025 às 17:15

A Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) apura denúncias graves contra uma organização missionária dos Estados Unidos que se instalou na comunidade ribeirinha Santo Antônio, dentro da reserva de desenvolvimento sustentável (RDS) do rio Negro, no município de Novo Airão, no estado do Amazonas.

O grupo religioso prometeu construir uma escola e oferecer serviços comunitários, mas ergueu, na verdade, duas casas de alto padrão e passou a impedir o acesso de moradores à área, inclusive ao porto comunitário.

A situação levou a DPE a instaurar um procedimento coletivo e enviar ofícios a órgãos ambientais.

O objetivo, conforme o órgão, é investigar a possível violação de direitos territoriais, uso indevido da terra pública, exploração irregular de turismo e dano ambiental em uma unidade de conservação.

De acordo com a defensoria, a fundadora da organização chegou à região em 2016, solicitando um terreno com a justificativa de que criaria ações sociais, como reforço escolar e atendimentos de saúde.

Segundo os moradores, até houve alguma prestação de serviço inicial, mas com o tempo as promessas foram abandonadas e o espaço passou a servir exclusivamente aos interesses particulares da missionária.

“Os relatos indicam que as construções e atividades desenvolvidas atendem exclusivamente aos interesses pessoais e institucionais da organização e de seus fundadores”, afirmou a defensora Daniele Fernandes, coordenadora do Núcleo Especializado de Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais da DPE-AM.

Leia mais

Amazônia: missionários invadem terra indígena e MPF investiga

Mansões e exclusão

A partir de 2022, a organização expandiu sua atuação sob o pretexto de criar uma escola técnica, mas, novamente, uma residência de alto padrão foi erguida.

Além disso, a entidade construiu uma ponte que impede a passagem de moradores até o porto, agravando os conflitos.

Um jovem indígena chegou a ser proibido de passar pelo local, conforme os moradores.

“Ela [a missionária] veio pedir para eu dizer ao rapaz que não passasse mais por ali. Disse que nos Estados Unidos isso incomoda. Mas aqui é diferente, aqui é uma RDS”, afirmou Marineuza Pontes, vice-presidente da associação comunitária.

Os moradores também denunciam que a construção de uma igreja prometida pela organização foi abandonada ainda nas fundações, feitas pela própria comunidade.

Enquanto isso, os missionários seguem habitando uma casa de luxo e trazendo turistas estrangeiros sem o conhecimento ou consentimento dos ribeirinhos.

Leia mais

Líder do “centrão” propõe permitir missionários em terras indígenas 

Turismo clandestino

Em março deste ano, dois barcos chegaram à comunidade trazendo mais de 100 americanos sem aviso prévio.

Segundo os relatos à DPE, tratava-se de “voluntários pagantes”, mas nenhuma das contribuições foi revertida à comunidade.

Os moradores afirmam que a organização usa fotos de ações sociais financiadas por terceiros, como a Prefeitura de Novo Airão e um hotel de selva, para angariar doações no exterior.

“Tem fotos das nossas crianças comendo doação do hotel e da prefeitura que aparecem no site deles como se fossem eles que tivessem feito. Ninguém aqui autorizou isso”, afirmou Helane Souza, filha de um dos fundadores da comunidade.

Indícios de crime ambiental

Durante diligência no local, a defensoria identificou também possível supressão ilegal de vegetação nativa.

A Secretaria de Meio Ambiente (Sema) confirmou que as construções não têm licença ambiental e que foram usados recursos naturais da própria unidade para edificar os imóveis, como madeira extraída da floresta.

“Estamos diante de uma situação complexa, que envolve questões fundiárias, ambientais, sociais e culturais”, disse a defensora Renata Visco, responsável pela 2ª Defensoria Pública de Meio Ambiente.

A RDS Rio Negro é uma unidade criada por lei estadual em 2008, onde toda atividade deve equilibrar preservação ambiental com desenvolvimento comunitário.

A atuação da organização estrangeira, segundo as denúncias, contraria esse princípio ao marginalizar os próprios habitantes da reserva.

*Texto organizado com informações da DPE.

Fotos: Brayan Riker/DPE