Escola de Manaus dĂ¡ exemplo ao mundo de resistĂªncia ao coronavĂ­rus

Unidade Waldir Garcia Ă© um retrato do empenho de tantas escolas pelo Brasil em manter seus estudantes engajados e aprendendo em plena pandemia

Escola de Manaus dĂ¡ exemplo ao mundo de resistĂªncia ao coronavĂ­rus

Publicado em: 23/12/2020 Ă s 12:28 | Atualizado em: 23/12/2020 Ă s 14:02

Quando o coronavĂ­rus se alastrou com virulĂªncia por Manaus, colapsando os sistemas de saĂºde e funerĂ¡rio logo nos primeiros meses da pandemia, as famĂ­lias de Maricleia Silva e Ketia Fontaine Romain nĂ£o ficaram ilesas.

Maricleia, que cozinha marmitas para vender na vizinhança, viu sua rotina virar quando a filha Alice nĂ£o pĂ´de mais frequentar a escola, onde ficava em tempo integral.

A famĂ­lia ainda sofreu uma perda difĂ­cil: pouco depois de a mĂ£e de Maricleia se recuperar de uma internaĂ§Ă£o por covid-19, o pai dela morreu em decorrĂªncia da doença.

“A cada dia, a gente tinha medo de receber uma notĂ­cia ruim”, lembra Maricleia.

 

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Ketia, uma imigrante venezuelana hĂ¡ quatro anos no Brasil, conta, com alĂ­vio, que ninguĂ©m na famĂ­lia adoeceu pelo novo coronavĂ­rus.

Mas recorda tambĂ©m a insegurança quando precisou recorrer a doações de cestas bĂ¡sicas e ao auxĂ­lio emergencial do governo para fechar as contas e alimentar os quatro filhos.

Mesmo com as turbulĂªncias, Maricleia e Ketia comemoram uma conquista nĂ£o trivial em 2020: suas filhas Alice e Andrea, ambas de 7 anos, concluĂ­ram o primeiro ano de ensino bĂ¡sico plenamente alfabetizadas – conseguem ler e escrever mesmo tendo tido apenas um mĂªs de aulas presenciais, entre fevereiro e março.

Quem garantiu esse aprendizado em um ano tĂ£o desafiador foi uma escola tambĂ©m abalada por suas prĂ³prias dores em meio Ă  pandemia.

“Tivemos muitas perdas de vidas (por covid-19) nas famĂ­lias dos funcionĂ¡rios e das crianças. SĂ³ a nossa pedagoga perdeu quatro pessoas prĂ³ximas. Foi um momento de medo, ansiedade e desespero”, conta LĂºcia Santos, diretora da escola municipal Waldir Garcia, que abriga 227 crianças no ensino fundamental 1 (1ª Ă  5ª sĂ©rie) na capital amazonense.

E, a despeito disso, Santos afirma que 2020 foi “tudo menos um ano perdido” para a escola. “Pelo contrĂ¡rio, estamos mais prĂ³ximos das famĂ­lias. Tivemos muitos ganhos.”

Em meio a tanta desolaĂ§Ă£o e incerteza rondando a educaĂ§Ă£o, a Waldir Garcia Ă© um retrato do empenho de tantas escolas pelo Brasil em manter seus estudantes engajados e aprendendo, mesmo com os enormes obstĂ¡culos do ensino Ă  distĂ¢ncia e dos problemas de conectividade e desigualdade.

Os primeiros meses do novo coronavĂ­rus deixaram marcas profundas em Manaus. Em abril, a capital amazonense chegou a registrar mais de cem enterros por dia. Em todo o Amazonas, a taxa de letalidade pela doença passava dos 8% — em comparaĂ§Ă£o, a mĂ©dia geral no Brasil Ă© hoje de cerca de 2,6%.

 

Brasileiros, venezuelanos e haitianos

 

A Waldir Garcia jĂ¡ era tida como escola de referĂªncia no Amazonas. Localizada em uma Ă¡rea vulnerĂ¡vel de Manaus, abriga crianças de diferentes classes sociais e origens, incluindo 50 estrangeiras, em sua maioria filhas de imigrantes venezuelanos e haitianos – as professoras, inclusive, estudam espanhol para se comunicar melhor com elas.

A escola tambĂ©m Ă© parte do programa Escolas Transformadoras, que promove competĂªncias como empatia, trabalho em equipe e criatividade em comunidades escolares de 25 paĂ­ses. Neste ano, LĂºcia Santos havia sido uma das vencedoras do PrĂªmio Educador Nota 10, em reconhecimento pelos projetos de protagonismo juvenil adotados em sala de aula.

E dados do exame oficial Prova Brasil 2017 apontam resultados acima da mĂ©dia nacional: 85% dos alunos da Waldir Garcia concluĂ­ram o quinto ano com conhecimentos adequados em portuguĂªs (contra 56% no Brasil) e 85% em matemĂ¡tica (no Brasil, esse Ă­ndice Ă© de 44%).

Mesmo assim, o ensino remoto durante a pandemia foi desafiador para educadores, pais e crianças.

Como manter a aprendizagem viva Ă  distĂ¢ncia, em um momento tĂ£o crĂ­tico como o da alfabetizaĂ§Ă£o, em que a proximidade entre alunos e professores Ă© tĂ£o importante? Como manter o vĂ­nculo das crianças com a escola?

“A gente (educadores) antes tinha dificuldade atĂ© para usar email”, conta Santos. “Mas aprendemos a usar tecnologias das quais agora nĂ£o vamos mais abrir mĂ£o. As professoras criaram um podcast com contaĂ§Ă£o de histĂ³ria para as crianças, descobriram como usar o Google Classroom e fizeram curso para aprender a usar padlet”, em referĂªncia Ă  ferramenta que permite criar um quadro de atividades entre muitos participantes.

Armadas de mĂ¡scaras e equipamentos de proteĂ§Ă£o individual, algumas professoras foram de casa em casa dos alunos para entregar materiais escolares e kits para que as crianças pudessem criar suas prĂ³prias hortas em casa — aumentando a oferta de alimentos e de chances de aprendizado.

 

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Foto: ARQUIVO PESSOAL /BBC NEWS BRASIL