Amor e políticas de compensação ambiental na RDS Uatumã, no Amazonas
Casal montou um projeto de manejo comunitário de menor impacto para retirada e trabalho com madeira.

Dassuem Nogueira, da Redação do BNC Amazonas
Publicado em: 20/09/2024 às 17:58 | Atualizado em: 20/09/2024 às 17:59
Quando Gracilázio Miranda nasceu, em 1969, na ilha do Beija-Flor, no município de Itacoatiara, no Amazonas, a região do rio Uatumã estava em plena efervescência da retirada do pau-rosa para a indústria perfumista.
Em 1972, aos 3 anos de idade, ele foi morar lá com seus pais. Nesse ano nasceu Elizângela Cavalcante.
Os pais de Gracilázio e Elizângela trabalhavam retirando madeira nos anos em que essa era a principal atividade econômica no rio Uatumã.
Quando Gracilázio tinha 15 anos e Elizângela, 13, eles começaram um namoro proibido.
O pai da jovem não aprovava a relação e a expulsou de casa.
Longe da família, o casal namorou por quase cinco anos. Mas, terminaram a relação.
Elizângela sentia falta da relação rompida com a família por causa do romance.
O ano era 1985, quando começou a construção da hidrelétrica de Balbina, no município de Presidente Figueiredo, e terminou também um ciclo de vida sem essa presença impactante.
Quando Gracilázio voltou à região, Elizângela também havia retornado e seu pai havia falecido.
Assim, 25 anos depois, o casal reatou o romance da mocidade no lugar onde tudo começou.
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A compensação ambiental
Porém, tudo havia mudado.
Os impactos ambientais provocados pela construção e funcionamento da hidrelétrica, pelo extrativismo descontrolado de madeira e captura de quelônios culminaram na criação da reserva de desenvolvimento sustentável (RDS) Uatumã, em 2004.
São Francisco das Chagas do Caribí, onde moram, e as outras 19 comunidades já faziam parte da RDS.
Gracilázio havia aprendido com o pai a viver da extração da madeira. Porém, encontraria limitações para trabalhar legalmente.
Junto com Elizângela e com apoio das ongs que atuam na reserva, eles montaram um projeto de manejo comunitário de menor impacto, conseguiram licença ambiental e certificação para retirada e trabalho com madeira.

Gracilázio é o coordenador do grupo de trabalho dos manejadores, que engloba tanto a produção extrativista madeireira quanto a não madeireira.
Elizângela brinca que eles são a compensação ambiental dos pais.
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Uma cadeia produtiva sustentável
Gracilázio atua em três projetos que correspondem a etapas de uma cadeia produtiva: o manejo, a usina e a movelaria.
Com apoio técnico do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), Gracilázio e Elizângela retiram madeira de manejo e vendem produtos certificados.
“Não é uma movelaria onde se produz móveis, se produz pequenos objetos. Tanto que a gente trabalha em um ano com cinco metros de madeira serrada, por isso é chamada de pequeno impacto”, conta Gracilázio.
“As empresas encomendam da gente várias peças como bule, xícara, pratos, colheres, vasos, castiçais, florestas – tem umas florestinhas que a gente produz. Daqui vai pro Brasil todo e pra outras partes do mundo”.
O Idesam os apoia nas vendas divulgando o trabalho comunitário por meio das redes sociais. Os clientes escolhem os produtos a partir de um catálogo ou encomendam peças.
Os comunitários as produzem de acordo com a espécie e o tipo de madeira disponíveis segundo o que está previsto no plano de manejo.
No trabalho do manejo do setor madeireiro, estão envolvidas 34 famílias de diferentes comunidades. Na movelaria, no momento, são sete.
“Eu precisava trabalhar aqui dentro com plano de manejo, com manejo legal para movelaria legalizada, para que eu pudesse andar de cabeça erguida, com minhas peças, com meus móveis né, com a minha madeira, tudo legal. Eu conversei com os parceiros do Idesam e da Fundação Amazonas Sustentável (FAS). A gente conversou e eu dei a ideia. Então eles me apoiaram e a gente escreveu o projeto. Graças a Deus, até agora, está tudo certo”, disse Gracilázio.
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Mulheres resolvidas do Uatumã
Hoje, a professora Elisângela é uma importante liderança na RDS Uatumã.
Está sempre envolvida com projetos e atividades de fortalecimento comunitário.
Ela notou que as mulheres da RDS participavam pouco desses movimentos. Então, tomou a iniciativa de montar um grupo que apoiasse a participação das mulheres.

O grupo se chama Mulheres Resolvidas do Uatumã e é formado por 44 mulheres de sete comunidades da RDS.
“Criamos o nosso grupo de mulheres justamente para detectar os desafios que a gente tinha nas nossas comunidades. Após isso, nosso desafio foi pedir algumas capacitações para melhorar a qualidade de vida das nossas mulheres”
Ela acrescentou:
“No primeiro encontro, eu fiquei muito triste, pois descobri que muitas não participavam porque não tinham condições de comprar a gasolina. Então o projeto disponibilizou com os parceiros a ajuda logística para elas. Nesses encontros, a gente tem rodas de conversa e oficinas. É muito bom!”.
As oficinas levam alternativas de geração de renda para que as mulheres escolham o que desejam fazer. Já aconteceram oficinas de crochê, saboaria e extração e fabricação de óleo de coco.
“A gente tem uma aqui que aprendeu a fazer crochê e agora ela já sabe até fazer biquíni. Eu disse para ela: ‘Faz para vender, para você ganhar o seu dinheiro!”. Aí ela disse: ‘Sim, professora, eu vou fazer mesmo, vou comprar umas linhas’. A gente fica alegre porque sabe que começou aqui no grupo e, como ela, tem outras mulheres”.
A professora disse observar que muitas mulheres aceitam situações difíceis porque não acreditam que podem se sustentar sozinhas.

Elizângela, que foi reprimida pelo pai no passado, hoje contribui para que outras mulheres da RDS Uatumã sejam cada vez mais livres.
Fotos: Dassuem Nogueira/especial para o BNC Amazonas