Amazonas tem mais 23 mulheres misturadas com homens em celas

Após estupros denunciados por indígena kokama, OAB, MP e DPE-AM cobram respostas do Estado.

Da Redação do BNC Amazonas

Publicado em: 24/07/2025 às 12:09 | Atualizado em: 24/07/2025 às 14:29

O caso da mulher indígena da etnia kokama, mantida ilegalmente por mais de nove meses em uma cela masculina na delegacia de Santo Antônio do Içá, no norte do Amazonas, gerou forte comoção e reações de diversas instituições.

A indígena, sob custódia do Estado, afirma ter sido estuprada por quatro policiais civis e um guarda municipal durante nove meses.

Ela chegou a dar à luz nesse período e afirma ter sido violentada inclusive quando amamentava o bebê na cela.

Segundo reportagem da Band Amazonas, ao menos outras 23 mulheres estariam atualmente em situação semelhante no interior do estado: presas provisoriamente em delegacias sem celas femininas ou qualquer estrutura que respeite os direitos mínimos garantidos pela Lei de Execução Penal.

A emissora não detalhou os municípios, mas a denúncia evidencia que a prática é recorrente e estrutural.

A Ordem dos Advogados do Brasil no Amazonas (OAB-AM), por meio da comissão de direitos humanos, também se manifestou, cobrando providências urgentes das autoridades estaduais.

“Há uma sensação de impunidade, e por isso deixa os agentes do estado confortáveis para cometerem tais violações. Então, enquanto não houver punição para quem deveria estar controlando, mas está, pelo contrário, revitimizando essas pessoas, torna o estupro de pessoa encarcerada um agravante”, repudiou a presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-AM, Alessandrine Silva.

Em nota, a entidade afirmou que a ausência de unidades femininas no interior configura grave omissão do Estado e potencializa a violação de direitos fundamentais de mulheres custodiadas. Sobretudo as indígenas, mais vulneráveis a abusos por fatores étnicos, sociais e geográficos.

Além da OAB, o Ministério Público do Amazonas (MP-AM) instaurou procedimento investigatório para apurar a responsabilidade dos agentes envolvidos.

A procuradora-geral de Justiça do MP-AM, Leda Mara, manifestou indignação com o caso e cobrou diálogos de maior amplitude para contornar esse cenário no Amazonas.

“Isso remete a necessidade de nós discutirmos, de uma forma mais aberta e efetiva, a questão dos presídios públicos no interior do Amazonas. Nós não podemos aceitar mais que as mulheres não tenham espaço [adequado] para serem custodeadas que, via de regra, não atendem ao Código de Execução Penal.”

A Defensoria Pública do Estado (DPE) também atua no caso, tendo realizado mais de 60 atendimentos à vítima.

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Problema crônico

Em relatório de 2022, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já havia apontado a falta de separação por gênero, de infraestrutura básica e de acesso à assistência jurídica como problemas graves em delegacias do interior amazonense.

A situação denunciada agora reforça que pouco ou nada foi feito desde então.

As denúncias ampliam a pressão sobre o governo para que estruture urgentemente presídios femininos ou alas específicas nas regiões do interior.

O que diz o Governo do Amazonas

“A Polícia Militar do Amazonas (PMAM) informa que o Inquérito Policial Militar (IPM) para apuração das denúncias está em fase de finalização e os quatro policiais militares envolvidos serão indiciados pelo crime de estupro, conforme as provas dos autos analisada durante o procedimento investigatório.

Um procedimento administrativo disciplinar também foi aberto para apurar a conduta dos PMs, que pode resultar na expulsão dos mesmo dos quadros da instituição.

O Comando da PMAM repudia fortemente os atos relatados pela vítima e reforça que não compactua com quaisquer condutas que fujam aos princípios da legalidade. Os policiais tiveram suas armas funcionais recolhidas e estão exercendo funções administrativas até o encerramento do procedimento administrativo disciplinar.

A Polícia Civil do Amazonas (PC-AM), por meio da Delegacia Especializada em Crimes contra a Mulher (DECCM) segue com a investigação do caso, por meio de inquérito policial instaurado, e irá colher novos depoimentos para a finalização do procedimento e envio à Justiça.

Um procedimento para apurar a conduta dos agentes também foi aberto pela Corregedoria-Geral de Justiça do sistema de Segurança do Amazonas para apurar a conduta dos envolvidos.”

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil