DiĂ¡rio de uma quarentena | 26º dia, 15 de abril – Casca quina
"A quinina, pĂ³ branco, inodoro e de sabor amargo, Ă© uma substĂ¢ncia utilizada no tratamento de malĂ¡ria e arritmias cardĂacas"

De Neuton CorrĂªa*
Publicado em: 15/04/2020 Ă s 21:19 | Atualizado em: 15/04/2020 Ă s 22:16
Hoje Ă© quarta-feira. SĂ£o 18h53.
O Amazonas conta agora 1.554 casos de coronavĂrus e chega a 106 mortos pelo coronavĂrus (covid-19).
As mortes das Ăºltimas 24 horas ocorreram todas em Manaus.
O Estado faz esforço para contratar profissionais de saĂºde.
Por exemplo, vai antecipar a formatura de alunos da Ă¡rea de saĂºde.
SĂ£o mĂ©dicos, enfermeiros e farmacĂªuticos que sairĂ£o do banco das faculdades direto para o campo de batalha.
HĂ¡ pouco, o governo anunciou que jĂ¡ tem fundo para contratar mĂ©dicos bombeiros que passaram em concurso de onze anos atrĂ¡s.
TambĂ©m anunciou hĂ¡ pouco a contrataĂ§Ă£o de 704 tĂ©cnicos em enfermagem.
Parece que se preparam para uma fase mais dura da pandemia.
Filas nos bancos
HĂ¡ razĂ£o de sobra para a convocaĂ§Ă£o desse exĂ©rcito.
Nas portas das agĂªncias da Caixa EconĂ´mica Federal, as pessoas se amontoam atrĂ¡s de uma ajuda emergencial, por causa do vĂrus, anunciada pelo governo federal no valor de R$ 600.
Sem renda, porque quase tudo parou, elas estĂ£o se expondo a riscos de contaminaĂ§Ă£o.
Presidente acha poucas mortes
No Brasil, jĂ¡ hĂ¡ hoje 28.320 casos confirmados da doenças e o nĂºmero de mortes jĂ¡ chega a 1.736.
Nas Ăºltimas 24 horas, foram 204 mortos, recorde na contagem.
Apesar disso, o presidente da RepĂºblica continua achando pouco o nĂºmero de perdas de brasileiros.
Ele sugeriu isso numa publicaĂ§Ă£o que fez na tarde de hoje comparando os Ă³bitos do Brasil com os de paĂses europeus, em consequĂªncia da doença.
“Apenas 7 para um milhĂ£o de pessoas”, expĂ´s isso numa tabela.
A maior preocupaĂ§Ă£o dele Ă© com o mercado.
NegĂ³cios encerrados
A falta de atividade econĂ´mica jĂ¡ começa a provocar baixa de empresas.
Hoje, tristemente, li o comunicado de um amigo anunciando o fechamento de seu restaurante.
Hoje tambĂ©m vi a Lene (SalĂ£o da Lene), onde hĂ¡ muito cortava o meu cabelo, embarcando suas coisas num caminhĂ£o de mudanças.
Outras portas de comĂ©rcio e serviços do prĂ©dio onde o salĂ£o dela funcionava hĂ¡ muito estĂ£o fechados por ordem do governo estadual e da prefeitura.
MamĂ£e quer ir para a cidade
Hoje consegui falar com minha mĂ£e. Ela estĂ¡ na zona rural de Parintins.
Vinha tentando hĂ¡ alguns dias falar com ela e o meu pai.
A telefonia rural nĂ£o ajudou. Precisei refazer a ligaĂ§Ă£o vĂ¡rias vezes.
“Estamos fazendo hoje um mĂªs aqui, meu filho”, disse a mamĂ£e, lamentando.
“Mas Ă© a melhor coisa que vocĂªs estĂ£o fazendo”, respondi.
E ela continuou:
“A gente tem de ir no banco. Estamos sem dinheiro”.
E eu:
“MamĂ£e, esqueça dinheiro nos prĂ³ximos trĂªs meses, talvez. Prefiro vocĂªs vivos. Fiquem por aĂ. Aguentem mais um pouco”.
Casca quina
O JĂºnior, meu vizinho, apareceu em casa com um feixe de casca de pau.
“O que Ă© isso?”, indaguei-lhe
“Quina, aquilo que tu falou na rĂ¡dio”.
O JĂºnior estava falando do programa de rĂ¡dio ManhĂ£ de NotĂcia, do qual participo toda manhĂ£, de segunda a sexta-feira, antes das 8h.
HĂ¡ cerca de duas semanas eu li a mensagem de um ouvinte, que quis dar uma contribuiĂ§Ă£o a uma conversa que eu tive com o Ronaldo Tiradentes, o apresentador.
FalĂ¡vamos sobre a cloroquina, medicamento que divide opiniões sobre o tratamento de pacientes acometidos de coronavĂrus.
Esse ouvinte escreveu:
“Neuton, essa tal de cloroquina Ă© a mesma nossa ‘quina’, que a gente tomava lĂ¡ interior pra malĂ¡ria”.
E o JĂºnior me entregou a casca, recomendando:
“NĂ£o vai tomar muito. Basta uma lasquinha, porque ela Ă© muita amarga. Tem cloroquina aĂ pra Amazonas todo”, disse ele se despedindo.
NĂ£o provei a casca, nĂ£o, mas fui na internet e digitei “quina malĂ¡ria”. A resposta foi essa:
“A quinina, pĂ³ branco, inodoro e de sabor amargo, Ă© uma substĂ¢ncia utilizada no tratamento de malĂ¡ria e arritmias cardĂacas. AlĂ©m de ser um fĂ¡rmaco Ă© utilizada como flavorizante da Ă¡gua tĂ´nica”.
Mais adiante, dizia, num breve histĂ³rico:
“A descoberta da quinina pelo Ocidente data do final do sĂ©culo XVI e inĂcio do sĂ©culo XVII, durante a conquista do ImpĂ©rio Inca pelos espanhĂ³is na regiĂ£o do Peru. Nessa Ă©poca, os invasores espanhĂ³is tomaram conhecimento de uma Ă¡rvore usada pelos Ăndios para curar febre. Uma lenda espanhola diz que um soldado, sofrendo de um acesso de malĂ¡ria no meio da selva, bebeu a Ă¡gua amarronzada de uma pequena lagoa onde Ă¡rvores de quinina haviam caĂdo. Ele entĂ£o foi dormir, e quando acordou sua febre havia desaparecido”.
O vizinho fez uma longa viagem ao interior para me trazer o secular remédio para caso eu precise nesse pandemia.
Eu feliz com a preocupaĂ§Ă£o dele com minha saĂºde.
*O autor é jornalista e diretor-presidente do BNC Amazonas
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