DiĂ¡rio de uma quarentena | 22º dia, 11 de abril – O pastor e o AI-5/2020

"Os 68 mortos no Brasil e os 68 contagiados no Amazonas, hoje, me fazem lembrar do pastor Rai e do Ato Institucional de 1968"

De Neuton CorrĂªa*

Publicado em: 11/04/2020 Ă s 19:42 | Atualizado em: 11/04/2020 Ă s 20:37

SaĂ­ no portĂ£ozinho da cozinha para tentar tirar o Gabigol da confusĂ£o a que se metia.

Mas, quando pus o pĂ© na rua, ele saiu em disparada feito uma bolinha peluda na direĂ§Ă£o do portĂ£o da garagem.

Nesse instante, do janelĂ£o de seu sobrado, ao lado de dois cachorros, o apĂ³stolo Rai (foto) apareceu me falando:

“Sonhei com duas carretas se encontrando. Vai morrer mais gente. NĂ£o vai parar agora”.

O meu vizinho, pastor, referia-se, achei, Ă  cĂ¢mara frigorĂ­fica colocada hĂ¡ uma semana, no hospital Delphina Aziz, para congelar os mortos do coronovarĂ­rus, durante a pandemia.

Continuei ouvindo e o Rai seguiu falando fluentemente, ele do alto e eu, de baixo, do outro lado da rua, chamando atenĂ§Ă£o da vizinhança.

“É triste, vizinho, tem igreja que nĂ£o quer fechar. A doença estĂ¡ aĂ­. EstĂ£o preocupados Ă© com isso aqui”, disse, esfregando os dedos.

E continuou:

“É uma provaĂ§Ă£o para nĂ³s, pastores. TĂªm muitos, sĂ£o trĂªs em cada esquina, mas um contra o outro. É hora de uniĂ£o. O vĂ­rus veio para unir a gente”.

 

As mĂ¡scaras da Darci estĂ£o fazendo sucesso

A Darci, novamente, passou o dia costurando, fazendo mĂ¡scaras.

Falei da manufatura nas Ăºltimas duas edições do diĂ¡rio.

De quinta para cĂ¡, nĂ£o parou mais a fabricaĂ§Ă£o.

Ela jĂ¡ tem vĂ¡rias encomendas, sĂ³ de conhecidos.

Ontem, ela cortou minha bandeira do Flamengo. Espero que hoje nĂ£o tenha tirado minhas camisas rubro-negras.

O Ăºltimo a aparecer por aqui atrĂ¡s das mĂ¡scaras foi o amigo e maestro da FilarmĂ´nica do Amazonas Neil Armstrong e sua esposa, TrĂ­cia Avilar.

Foram eles que cortaram minha conversa com o pastor.

Queriam ir ao supermercado, mas protegidos com as mĂ¡scaras da Darci.

 

Sem contato com meus pais

Hoje tentei vĂ¡rias vezes me comunicar com eles.

Eles continuam no meio do mato, na zona rural de Parintins, escondidos do coronavĂ­rus.

Quero as Ăºltimas notĂ­cias, mas o telefone rural nĂ£o me permite.

 

 AI-5/2020

Hoje Ă© sĂ¡bado. SĂ£o 16h56.

O Amazonas registrou de ontem para hoje 68 novos casos do novo coronavĂ­rus. É o mesmo nĂºmero de mortes pela doença, contado nas Ăºltimas 24 horas em todo o PaĂ­s.

O nĂºmero para o Estado Ă© tranquilizador, quando comparado aos 168 casos registrados num sĂ³ dia na Ăºltima quarta-feira, dia 8.

Mas, no Brasil, os 68 mortos assuntam e jĂ¡ nos fazem ver que, em menos de um mĂªs, a doença matou 1.124 brasileiros.

E mais assustador ainda Ă© perceber que o presidente do PaĂ­s continua subestimando a gravidade da crise.

Tanto Ă© que, pelo segundo dia consecutivo, enquanto o mundo inteiro e seu MinistĂ©rio da SaĂºde continuam recomendando que as pessoas fiquem em casa para se proteger, ele saiu Ă s ruas promovendo e incentivando aglomerações.

IrĂ´nica ou tragicamente, os 68 mortos no Brasil e os 68 contagiados no Amazonas, contabilizados neste sĂ¡bado, me fazem lembrar do sonho do pastor Rai e do Ato Institucional de 1968, o AI-5/2020, que asseverou ainda mais a tortura e aprofundou as mortes de inocentes quando o Brasil tambĂ©m era governado por militares.

 

*O autor é jornalista e diretor-presidente do BNC Amazonas

Foto: BNC AMAZONAS, em 25 de maior de 2019