Bolsonaro tenta sobreviver sentindo a sombra do patíbulo próxima

O ex-presidente recorre ao que lhe resta: o palanque e a pressão indireta sobre as instituições. Leia no artigo do jornalista Marc Tony Rodríguez

Bolsonaro tenta sobreviver sentindo a sombra do patíbulo próxima

Ednilson Maciel, por Marc Tony Rodríguez*

Publicado em: 29/06/2025 às 18:40 | Atualizado em: 29/06/2025 às 18:50

O ato convocado por Jair Bolsonaro neste domingo (29 de junho), na avenida Paulista, em São Paulo, foi menos um gesto de mobilização popular e mais uma manobra de sobrevivência política.

Em julgamento iminente no Supremo Tribunal Federal (STF) pela tentativa de golpe de 2022, o ex-presidente recorre ao que lhe resta: o palanque e a pressão indireta sobre as instituições.

Com pouco mais de 12 mil presentes, número modesto diante das multidões que já arrastou, Bolsonaro tentou transformar fraqueza em força.

Falou em “justiça”, criticou sem nomear diretamente os ministros do STF e, num tom ora defensivo, ora messiânico, disse que não querem apenas prendê-lo, mas “eliminá-lo”.

Evitou confrontos diretos, mas delegou o papel de linha-dura ao filho Flávio, que voltou a citar o uso da força como forma de pressionar o Judiciário a conceder-lhe indulto.

A retórica não é nova. O que muda é o cenário: desta vez, Bolsonaro não está apenas inelegível, mas prestes a ser condenado por vários crimes contra a democracia, como o de atentado ao Estado Democrático de Direito.

Não se trata mais de confronto ideológico de Bolsonaro e seus golpistas, mas de sobrevivência jurídica.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, também subiu ao palanque neste domingo. Mas, faz jogo duplo.

Preferiu um discurso moderado, atacando o PT e a economia do governo Lula. Mas, sua presença, ao lado de outros governadores bolsonaristas, cumpre um papel estratégico: manter a chama da lealdade ao ex-presidente acesa, sem fechar portas com o establishment.

A ida dele ao “Gilmarpalooza”, tradicional fórum promovido pelo ministro do STF Gilmar Mendes em Lisboa, é sintomática desse jogo duplo.

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Aposta no parlamento

O bolsonarismo sabe que não vencerá o STF nas cortes. Por isso, aposta no Congresso de Davi Alcolumbre e Hugo Motta e no sairá das urnas em 2026.

Não à toa, Bolsonaro convocou sua base a eleger “metade da Câmara e do Senado” em 2026.

A ideia é clara: formar uma blindagem institucional capaz de revisar decisões judiciais, propor anistias e, quem sabe, alterar as regras do jogo democrático por dentro.

A narrativa de “perseguição” e “injustiça” serve para manter coesa sua base mais fiel, mas esbarra no desgaste acumulado.

A baixa adesão ao ato deste domingo é um sinal de alerta.

Sem multidões, sem poder institucional e sob risco judicial real, Bolsonaro depende cada vez mais de um sistema que passou anos atacando.

No fundo, o que se vê é a transformação do bolsonarismo de movimento insurgente em uma articulação conservadora que tenta sobreviver dentro das regras do jogo que jurava desprezar.

É um novo ciclo, menos ruidoso, mas ainda perigoso, sobretudo se o país não enfrentar com firmeza as tentativas de capturar instituições sob o manto da “pacificação”.

A democracia brasileira não precisa de trégua com quem a ameaçou.

Precisa de memória, justiça e compromisso com o Estado de Direito.

O resto é encenação eleitoral.

*O autor é jornalista.

Foto: reprodução/vídeo