A energia transformadora que vem do lixo
É preciso levar em conta que o desperdĂcio e a mĂ¡ gestĂ£o dos aterros inadequados geram um impacto negativo na sociedade, na economia e no meio ambiente

Por Hugo Nery*
Publicado em: 26/10/2023 Ă s 15:14 | Atualizado em: 26/10/2023 Ă s 15:14
A casca de banana que vocĂª joga no lixo poderia virar adubo ou iluminar a cozinha da sua casa – e, de quebra, contribuir para a diminuiĂ§Ă£o na emissĂ£o de gases de efeito estufa. Pois Ă©: quando se fala de resĂduos sĂ³lidos, Ă© preciso levar em conta que o desperdĂcio e a mĂ¡ gestĂ£o dos aterros inadequados geram um impacto negativo na sociedade, na economia e no meio ambiente.
A tecnologia jĂ¡ nos permite transformar, por exemplo, restos de comida em energia, como acontece no CearĂ¡, em que 20% do abastecimento da companhia local de gĂ¡s sĂ£o gerados na primeira usina de biogĂ¡s do Norte e Nordeste.
Mas como funciona? Depositados em aterros sanitĂ¡rios, os resĂduos sĂ³lidos geram, naturalmente, metano e gĂ¡s carbĂ´nico, dois gases de efeito estufa que, sem tratamento, sĂ£o lançados na atmosfera e contribuem para o aquecimento global. No CearĂ¡, por exemplo, o aterro sanitĂ¡rio de Caucaia recebe, diariamente, cerca de 5.000 toneladas deste material por dia.
Por meio de um sistema de drenos, o biogĂ¡s Ă© captado, tratado e processado. Resultado: a usina de biogĂ¡s produz 90 mil m³ de biometano diariamente. Na prĂ¡tica, o sistema evita a emissĂ£o, todos os anos, de aproximadamente 610 mil toneladas de gases de efeito estufa.
Hoje, no Brasil, todos os dias, as empresas de limpeza urbana recolhem 225 mil toneladas de resĂduos residenciais. Deste total, metade Ă© composto por restos de comida. Ao analisar o lixo por classe social, observa-se que, entre as classes menos favorecidas, que representam 60% da populaĂ§Ă£o do paĂs, diariamente vĂ£o para o lixo 500 gramas de restos de alimentos per capita. Na classe mĂ©dia, esse nĂºmero sobe para algo entre 1,2 e 1,3 quilos. Entre os mais ricos, o desperdĂcio chega a dois quilos por dia.
Os desafios sĂ£o muitos. Dos 5.570 municĂpios do paĂs, apenas 320 tĂªm mais de cem mil habitantes, ou seja, podem adotar um sistema privado de gestĂ£o de resĂduos. Nos outros 95%, a tarefa acaba nas mĂ£os das prefeituras, que enfrentam muito mais dificuldade de conseguir investidores para seus projetos de transformaĂ§Ă£o e reaproveitamento de resĂduos.
É preciso ainda lembrar que, por nĂ£o termos a separaĂ§Ă£o dos resĂduos em nossas residĂªncias, 70% dos detritos transportados em caminhões ficam inutilizĂ¡veis, ou seja, nĂ£o podem ser reaproveitados para compostagem e outros fins, jĂ¡ que os materiais se contaminam devido Ă nĂ£o separaĂ§Ă£o na origem.
O resultado Ă© o que vemos em dezenas de cidades pelo paĂs: os aterros controlados e lixões, que sĂ£o verdadeiros retratos do desperdĂcio e da mĂ¡ gestĂ£o do lixo no paĂs.
Este quadro tem tudo para mudar. Desde a aprovaĂ§Ă£o da Lei 12.305, em 2010, que implementou a PolĂtica Nacional dos ResĂduos SĂ³lidos, o modelo de limpeza urbana, atĂ© entĂ£o exclusivamente calcado em coleta e despejo em aterros sanitĂ¡rios, vem sofrendo fortes e rĂ¡pidas alterações. O mercado jĂ¡ descarta a ideia de “lixo” para pensar em material aproveitĂ¡vel. Em vez de despejo, fala-se em transformaĂ§Ă£o. E se a indĂºstria dos reciclĂ¡veis, mal ou bem, conseguiu se firmar, Ă© hora de avançar no sentido de fazer do desperdĂcio uma fonte de energia. E Ă© esta a proposta do novo Centro de Tratamento e TransformaĂ§Ă£o de ResĂduos de Manaus.
Transformar o resĂduo em energia e outros produtos de valor nĂ£o Ă© ficĂ§Ă£o cientĂfica. É uma prĂ¡tica saudĂ¡vel, sustentĂ¡vel e que precisa ganhar cada vez mais espaço na sociedade. Um bom negĂ³cio para todos.
*o autor Ă© diretor presidente de Marquise Ambiental.