Adeus, Heraldo! Obrigado pelo gravador e pelo primeiro emprego
Primeiro diretor-geral da Rádio Clube de Parintins, Heraldo Gonçalves morreu aos 66 anos de idade na noite dessa terça-feira, dia 12

Neuton Corrêa, do BNC Amazonas
Publicado em: 13/08/2025 às 01:08 | Atualizado em: 13/08/2025 às 01:16
Faltava uma hora para o começo do Jornal da Clube. Portanto, eu tinha sessenta minutos para entrevistar o dono da rádio. Era pouco para captar, escrever e editar o conteúdo que eu levaria para os apresentadores do programa, Armando Carvalho e Evandir Martins.
Foram os mais curtos 60 minutos dos primeiros anos de minha vida profissional como repórter, em 1990. O tempo, para mim, parecia 60 segundos que se aceleram à medida que me via à frente do deputado Gláucio Gonçalves.
A aflição não era pelo interlocutor, mas pelo gravador que usaria na entrevista. Eu havia recebido da empresa o equipamento para trabalhar dias antes. Era um microgravador vermelho-escuro, quase do tamanho de uma fita cassete.
Lançamento
O aparelho era lançamento do mercado. Cabia na palma da mão. Nada parecido com os gravadores antigos da época, que, levados à mão, pareciam uma Bíblia.
Recebi a novidade com recomendações reiteradas do diretor da rádio, primeiro diretor da Clube, o jovem jornalista Heraldo Gonçalves, então com cerca de 30 anos de idade.
Com sua voz e seu costume inconfundível de falar pegando o canto do olho como quem enrosca alguma coisa, que eu costumava imitar, ele me disse solenemente:
– Olha, vou te dar esse gravador, mas devo lhe advertir que isso foi presente de uma pessoa muito querida. Cuida muito bem dele.
Concordei de pronto e saí da sala comemorando a confiança que ele havia me creditado.
Acontece que desde que iniciei minha atividade como repórter sempre fui obcecado por garimpar notícias. Eu comemorava, como ainda faço hoje, cada informação, cada novidade, cada notícia que eu conseguia descobrir.
No dia que recebi a missão de entrevistar o seu Gláucio, eu estava com o gravador cheio, matérias quentes que encontrei no fórum.
Eu estava tão feliz que assim que peguei minha bicicleta para voltar pra rádio soltei as mãos do guidom, puxei minha pochete porta-gravador para frente da cintura, tirei o aparelho e comecei a escutar as entrevistas do dia. Tudo certinho. E melhor: ainda era por volta das 10h da manhã. Dava tempo para escrever, editar e ainda sobrar tempo.
Gravador destruído
Acontece que minha empolgação foi além da conta. Com pressa, devolvi o aparelho à pochete e continuei pedalando. Quando cheguei na frente da Catedral, me vi desabotoando a pochete e rodopiando a bolsa. E assim agi. Porém, duas voltas depois, vi o gravador do Heraldo voando na avenida Amazonas e se espatifando. Era pilha para um lado, pilha pro outro, tampa da fita pro quebrada e teclas espalhadas pela rua.
Confesso que fiquei mais com medo de encarar o Heraldo do que com a vergonha que eu passava naquele momento no local mais movimentado da cidade.
Eu conseguir juntar todas peças e fui pra casa remontar o gravador. Consegui. Com alguns pedaços de fita gomada e algumas gotas de cola pus o aparelho pra funcionar no novamente.
Entretanto, para fazer funcioná-lo precisava de algumas pancadinhas e a ponta de uma faca ou com os dentes mesmo para trazer de volta as teclas de rec e play.
A hora da entrevista
Pois foi nesse desespero, quando, escondido, eu já escrevia minhas matérias que o Heraldo me chamou, com a mão direita segurando seu óculos de grau.
– Neuton, por favor, traz o gravador, entrevista o papai.
Não era uma ordem. Era minha sentença de morte, o fim de minha tão recente carreira no jornalismo. E não deu pra esconder. Quando me pus diante do dono da rádio, que bati no gravador para ele começar a gravação, o meu diretor falou assustado.
– Pelo amor de Deus, Neuton, o que você fez com meu gravador. Papai, olha o que ele fez. E agora?, disse ele olhando para o deputado.
O Heraldo então não me condenou pelo estrago que fiz em seu presente. Como quem compreendesse a situação, ele pediu que eu pegasse outro gravador e a entrevista aconteceu.
O Heraldo foi o primeiro diretor da rádio Clube de Parintins, primeiro patrão a assinar minha carteira de trabalho.
Aos 66 anos de idade, jovem, ele foi descansar nessa terça-feira, dia 12, após lutar por alguns anos contra o Alzheimer.
Valeu, Heraldo! Devo essa profissão a você.
Arte: Gilmal