Desembranquecer a sinhazinha

Posto mais sonhado pelas crianças no boi Garantido está vago e pode abrir espaço para protagonismo de meninas amazônidas.

Por Dassuem Nogueira*

Publicado em: 26/07/2025 às 12:08 | Atualizado em: 26/07/2025 às 13:17

Valentina Coimbra se despediu do posto de sinhazinha da fazenda do boi Garantido logo após o 58º Festival Folclórico de Parintins.

Desde então, o posto está à espera de um novo nome.
Notavelmente, o item é o mais adorado pelas crianças.

Nota-se nas festas e eventos de boi na rua de Garantido e Caprichoso que há muito mais meninas vestidas com o figurino da sinhazinha da fazenda do que as demais.

Nas apresentações dos bois mirins, em Parintins, a sinhazinha se apresenta com um séquito de amiguinhas vestidas no mesmo estilo.

O fenômeno é compreensível porque o item 7 usa figurino semelhante aos das princesas da Disney. Porém, até a conhecida fábrica de sonhos tem revisto seu papel.

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Fábrica de sonhos

As princesas da Disney foram alvos de críticas por incutir padrões de beleza, feminilidade e relações de gênero desde a infância, especialmente, sobre as meninas.

Não existiam princesas negras, indígenas, cacheadas. A Disney vem realizando mudanças sutis, ao longo de décadas, que aproximam suas princesas da realidade de um mundo diverso, no qual as meninas são curiosas e aventureiras.

O que pode ser observado desde Jasmine (“Aladin”, 1992), uma princesa árabe; “Pocahontas” (1995), uma princesa indígena; “Mulan” (1998), a primeira princesa chinesa; Tiana (“A princesa e o sapo”, 2009), a primeira princesa negra; Mérida, da animação “Valente” (2012); (“Moana” (2016), uma princesa indígena da Polinésia – as três últimas, com fartos cabelos cacheados; e a princesa Anna, de “Frozen” (2013).

As princesas foram, gradualmente, tornando-se representativas da diversidade racial, contestadoras do lugar estabelecido para elas, aventureiras e sem príncipes.

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Um lugar para os brancos

A sinhazinha da fazenda do festival de Parintins foi incorporada às apresentações como filha do amo do boi já na era do bumbódromo (1988) – até então, ele mesmo não era um homem branco.
Mas, sua presença foi sendo justificada como o lugar da cultura branca na estrutura do espetáculo, impactada pela teoria da miscigenação predominante como verdade sociológica na época.

Por fim, a sinhazinha da fazenda tornou-se a princesa (branca) do Festival Folclórico de Parintins. Símbolo da cultura erudita, ela é uma bailarina, uma mademoiselle, aquela que a maioria das crianças sonha em ser.

O par da sinhazinha não é o amo, seu pai, mas o próprio boi de pano, sua herança como filha, o seu brinquedo preferido.

Desembranquecer

Do mesmo modo que foi embranquecida ao longo dos anos, a sinhazinha da fazenda merecia ser atualizada, à exemplo do que fez a Disney com suas princesas.

Afinal, que história conta a sinhazinha, além de herdeira (branca) do boi mais bonito da fazenda?

O boi Garantido, que está com o posto vago, tem a oportunidade de desembranquecer o item e criar um espaço para contar histórias de mulheres amazônicas ou de seu quilombo.

Ou, pelo menos, desenloirecer sua intérprete. Sendo branca e loira, a sinhazinha não está apta a contar histórias de mulheres amazônicas reais. Seu leque é pequeno, literalmente.

Fotos: Dassuem Nogueira/ especial para o BNC Amazonas