Amazônia sob comando: a soberania esculpida no espaço aéreo

Artigo destaca papel estratégico da aviação como presença qualificada do Estado na região amazônica.

Por Fabiano Bó

Publicado em: 26/07/2025 às 08:21 | Atualizado em: 26/07/2025 às 08:21

O Brasil figura hoje entre os maiores mercados da aviação do mundo. Segundo a International Air Transport Association (IATA), o país ocupa a terceira posição no tráfego doméstico global, com mais de 100 milhões de passageiros transportados por ano. Essa estatística, por si só, evidencia uma mudança de escala no modo como os brasileiros se movimentam e no papel que o setor aéreo desempenha na infraestrutura nacional. Mas a aviação, no Brasil, não se resume à mobilidade. É, cada vez mais, um vetor de soberania, integração e capacidade estatal.

Na região amazônica, essa equação assume contornos ainda mais específicos. Em uma área superior a 5 milhões de quilômetros quadrados, onde a malha rodoviária cobre menos de 10% do território, a presença do Estado é, em muitos casos, aérea. É por meio da aviação que se executam operações de defesa, controle de fronteiras, transporte de insumos, atendimento médico, apoio a populações ribeirinhas e fiscalização ambiental. A Força Aérea Brasileira, apenas em 2023, registrou mais de 5 mil horas de voo em missões voltadas à Amazônia Legal, reforçando o que especialistas já consideram uma das frentes logísticas mais complexas do planeta.

A aviação civil também reflete essa lógica. Dados da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) mostram que os aeroportos da Região Norte movimentaram mais de 9 milhões de passageiros em 2023, um volume que não para de crescer com a interiorização dos serviços, a digitalização dos controles e a ampliação das rotas regionais. Esse cenário expõe uma política pública que compreende a aviação como parte da engenharia institucional do país, não como anexo da infraestrutura, mas como elemento central da governança em áreas de baixa conectividade terrestre.

No âmbito regional, algumas iniciativas têm buscado reforçar essa infraestrutura de forma estratégica. O Governo do Amazonas, por exemplo, tem concentrado esforços na modernização de aeroportos no interior do estado. Em Fonte Boa, foram investidos cerca de R$ 7,39 milhões na reestruturação do terminal, com ampliação da pista, pátio de aeronaves e sinalização adequada para receber voos de maior porte. Projetos semelhantes foram executados em municípios como Parintins, Pauini e Itacoatiara, com recursos estaduais direcionados à ampliação da capacidade operacional e à segurança de voo.

Além disso, medidas de incentivo fiscal contribuíram para a ampliação de rotas comerciais a partir de Manaus, com novas conexões operadas por companhias nacionais e internacionais. Durante a pandemia de Covid-19, a logística aérea foi também fundamental para garantir a equidade no acesso à imunização. A Casa Militar do Estado, em articulação com a Fundação de Vigilância em Saúde, coordenou a distribuição das primeiras vacinas, alcançando todos os municípios amazonenses em cerca de 36 horas após o recebimento das doses. Aeronaves de médio porte e aviões anfíbios permitiram a entrega mesmo nas localidades mais remotas, assegurando que a resposta do Estado superasse as barreiras geográficas da região.

É nesse contexto que a figura de Alberto Santos-Dumont assume um significado que ultrapassa a memória histórica. Ao celebrar seu 152º aniversário neste ano, o Brasil não lhe enxerga apenas o engenheiro ou o inventor. Homenageia uma ideia de país que enxerga o território a partir de uma dimensão integral, e portanto, soberana. Santos-Dumont é projeto, não apenas uma aeronave. Projeto uma possibilidade: a de que o Brasil poderia alcançar lugares antes considerados inalcançáveis. Sua obra, ao se tornar parte da identidade institucional da Força Aérea, incorporou-se ao pensamento nacional de longo alcance.

Esse pensamento continua necessário. O domínio do espaço aéreo deixa de ser apenas uma questão de mobilidade e passa a integrar agendas como segurança nacional, desenvolvimento sustentável, prevenção de desastres, combate a ilícitos e atuação integrada de forças. Na Amazônia, em particular, é pela via aérea que se viabiliza o funcionamento do Estado em zonas de difícil acesso. A permanência institucional em regiões remotas não é discurso. É operação. E operação exige meios.

Portanto, ao refletir sobre a relevância de Santos-Dumont no século 21, é preciso atualizar o vocabulário. Não se trata de exaltar o pioneiro, mas de reconhecer que sua contribuição moldou uma das ferramentas mais sofisticadas da política pública contemporânea. No Brasil, voar não é metáfora. É método.

E na Amazônia, é condição para que a presença do Estado se traduza em permanência qualificada. Porque onde não há estrada, é a inteligência que precisa avançar.

*Coronel da Polícia Militar, especialista em Política e Estratégia (ADESG) e secretário de Estado Chefe da Casa Militar do Amazonas.

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Foto: Força Aérea Brasileira