Rua 31 de Março, um lugar especial

Por Aldenor Ferreira*
Publicado em: 26/07/2025 às 00:01 | Atualizado em: 25/07/2025 às 21:22
Apesar de remeter a uma data histórica ligada ao golpe militar de 1964 – episódio que resultou na queda do presidente João Goulart e inaugurou um regime autoritário que se estendeu por 21 anos –, a Rua 31 de Março, em Parintins/AM, guarda um significado muito distinto daquele momento sombrio da história do Brasil.
A rua é o berço de grandes personagens que marcaram a cena política, jornalística, artística, esportiva e educacional da cidade que fica na Ilha Tupinambarana. Entre esses nomes, destacam-se Raimundo Pimentel e Marduk Reis, cujos pais moravam na 31, o que fez com que eles, que faziam parte da chamada “linha de frente” (apresentadores e animadores) do Boi-Bumbá Caprichoso circulassem com frequência por lá.
A família Pimentel, como um todo, deixou um legado na Rua 31 de Março. Podemos citar João Pimentel, Francisco, Benjamim (Corrêa Neto) e Joana Pimentel, pioneiros que ajudaram no desenvolvimento do boi Caprichoso. Por muito tempo, eles que se responsabilizavam pela confecção das flâmulas, fitas, chapéus e demais artefatos indispensáveis às apresentações do boi.
Nesse contexto cultural, é impossível não lembrar do artista Júnior de Souza, o “mago” das alegorias e dos rituais indígenas do Boi-Bumbá Garantido, bem como de seu irmão Juvelino Souza, compositor do boi Caprichoso. Juvelino e Júnior já não estão mais conosco. Júnior nos deixou em 2021, vitimado pela covid-19.
Outros personagens
A Rua 31 de Março também foi o lar de outros mestres da música amazonense. Podem-se citar Tony e Inaldo Medeiros, além de Paulinho Du Sagrado que, embora não morasse exatamente naquela rua – vivia em uma casa na esquina, colada com a 31 –, participava ativamente dos encontros e rodas musicais que aconteciam por lá. São nomes que não apenas marcaram a história do boi Garantido. Eles também foram cofundadores do gênero musical que se consolidou como a toada de boi-bumbá.
Outro ilustre morador foi Lucinor Barros. Lucinor foi dos idealizadores do Festival Folclórico de Parintins, que viveu na Rua desde 1953 ao início da década de 1970. Até hoje, a Rua mantém sua ligação com a história do movimento cultural da cidade, abrigando, por exemplo, Aguinaldo Barros, que foi vice-presidente da Juventude Alegre Católica (JAC), entidade fundamental para a existência do Festival.
Na área da Educação, a Rua 31 de Março também é um orgulho por ter sido morada de Geny de Medeiros Cursino, baluarte do ensino em Parintins. Tive o privilégio de ser seu aluno na Escola Estadual Ryota Oyama, onde aprendi fundamentos que norteariam minha futura vida acadêmica.
E por falar em vida acadêmica, é impossível não lembrar de Antonio Massilon de Medeiros Cursino, ou simplesmente Massilon – economista formado pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), funcionário de carreira da SEFAZ-AM e ex-vereador na Ilha.
Seguindo essa tradição acadêmica e jornalística, destacam-se também os irmãos Neudson e Neuton Corrêa, nomes de destaque no jornalismo amazonense. Com trajetórias marcadas pela ética, compromisso com a informação e um olhar atento para as questões sociais e culturais da cidade e da região, eles representam com orgulho as raízes da Rua 31 de Março.
Ryota Oyama
Também sou um filho da Rua 31 de Março. Passei minha infância e adolescência naquele endereço, onde vivi até os 15 anos, antes de seguir para Manaus. Na capital amazonense, concluí o Ensino Médio e me graduei pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
A vida me levou para longe da Ilha Tupinambarana. Hoje, sou docente da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), no interior de São Paulo, mas levo comigo as memórias e lições aprendidas naquela rua que me formou.
Um fato curioso conecta minha história à da própria cidade: a Escola Ryota Oyama, onde estudei, carrega o nome do imigrante japonês responsável pelo maior empreendimento agroindustrial da história do Amazonas: o cultivo e o beneficiamento de juta. Foi Oyama que aclimatou a juta, de origem asiática. Esse tema se transformou em objeto central de minhas pesquisas acadêmicas.
Durante essa trajetória, tive o privilégio de me tornar aluno, amigo e parceiro de escrita do doutor Alfredo Kingo Oyama Homma, também parintinense e neto de Ryota Oyama. As pesquisas com a juta me trouxeram prêmios e reconhecimento acadêmico. Às vezes, penso que o nome Oyama, gravado na fachada daquela escola, ajudou a escrever meu destino.
Considerações finais
É provável que, ao registrar essa memória relacionada à Rua 31 de Março, eu tenha deixado de mencionar nomes importantes que também contribuíram para a singularidade e grandeza desse lugar. Portanto, peço meu perdão antecipadamente. Cada história merece ser lembrada. Ainda assim, mesmo com possíveis lacunas, a essência permanece: a Rua 31 de Março é muito mais do que uma referência histórica. Ela é um território de memórias, talentos e conquistas.
Cada morador, passado ou presente, contribuiu para transformar esse endereço em um verdadeiro celeiro de cultura e identidade parintinense. Olhar para essa rua é reconhecer a força de uma comunidade que, com simplicidade e paixão, ajudou a escrever capítulos essenciais da história da Ilha Tupinambarana.
*Sociólogo
Arte: Gilmal