Amazônia em cena: depois do Brics, é hora de transformar discurso em protagonismo

Coronel Fabiano Bô defende papel estratégico da região na nova ordem global e cobra maior inserção na diplomacia brasileira.

Por Fabiano Bô*

Publicado em: 12/07/2025 às 07:28 | Atualizado em: 12/07/2025 às 09:25

Vivemos um momento de reconfiguração da ordem global. Com a intensificação das mudanças climáticas, o colapso da biodiversidade, a disputa por recursos estratégicos e a ascensão de novas potências, o mundo busca respostas que não virão dos modelos tradicionais.

É nesse contexto que o BRICS, bloco formado por países emergentes que representam quase metade da população mundial, volta ao centro das articulações internacionais.

Ao sediar a 17ª Cúpula do grupo, o Brasil teve a chance de afirmar uma agenda própria. A Amazônia, como maior ativo ambiental e geopolítico do país, deveria ter sido tratada como eixo estruturante dessa proposta. Não há futuro global sem o protagonismo do Norte do Brasil.

O Amazonas encerrou 2024 com queda de 29% no desmatamento, somando 1.143 km² de áreas desmatadas, segundo o INPE. No conjunto da Amazônia Legal, a retração foi ainda mais expressiva: 30,6%, o melhor índice desde 2015. Em fevereiro deste ano, registrou-se o menor desmatamento para o mês desde 2016.

Contudo, a degradação florestal, provocada principalmente por queimadas e exploração seletiva, atingiu patamares alarmantes. Apenas em setembro passado, mais de 20 mil km² foram degradados, um aumento de 1.402% em relação ao mesmo período de 2023. Esses números demonstram que a floresta resiste, mas ainda sangra. E enquanto sangra, o país desperdiça a oportunidade de transformar a Amazônia em referência mundial de desenvolvimento sustentável.

Em um momento que reforça a importância estratégica da região, o Exército Brasileiro por meio do Instituto Militar de Engenharia (IME) anunciou planos para instalar um novo campus em Manaus, com foco em ciência, defesa e tecnologia aplicadas à Amazônia.

Junto a essa iniciativa, criou o Instituto de Pesquisas do Exército na Amazônia (IPEAM), que atua no desenvolvimento de soluções voltadas às especificidades regionais, integrando inovação científica e soberania nacional. Ambas as medidas, alinhadas ao conceito de diplomacia da paz, articulam conhecimento, presença institucional e desenvolvimento sustentável no território, reconhecendo que não há segurança sem ciência, nem proteção sem inteligência.

O fortalecimento da atuação das Forças Armadas na região, com ênfase em pesquisa e inovação, aponta para uma nova valorização do papel da Amazônia no projeto estratégico brasileiro.

Essa transformação é possível, concreta e tecnicamente viável.

A bioeconomia amazônica tem potencial de movimentar 40 bilhões de dólares por ano até 2050, com geração de mais de 800 mil empregos, de acordo com estudo do WRI Brasil. A Zona Franca de Manaus, ao incorporar tecnologia de baixo carbono e agregar valor à biodiversidade, pode ser a âncora industrial de uma nova matriz econômica baseada na floresta em pé. Além disso, a presença de instituições científicas consolidadas, centros de pesquisa e conhecimento tradicional oferece um ecossistema único para inovação sustentável.

O Amazonas está preparado. O que falta é que o Brasil enxergue, valorize e integre esse potencial à sua política internacional com a força de um momento único.

O BRICS demonstrou disposição para ouvir vozes fora do eixo hegemônico. Nenhuma voz, porém, é legítima se não representa o próprio território. A Amazônia não pede concessões. Oferece soluções. Tem meios, os dados, a experiência e a urgência. O que ainda nos falta é reconhecimento estratégico dentro da diplomacia brasileira.

O país não precisa protagonizar a Amazônia apenas para cumprir metas. Precisa envolvê-la como protagonista de sua inserção global. Se há um novo mundo se formando, ele precisa nascer com raízes na floresta. E o tempo de plantar essa decisão é agora.

*É coronel da Polícia Militar, especialista em Estratégia (ADESG) e secretário de Estado Chefe da Casa Militar do Amazonas.

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