Inteligência territorial: como agem grileiros na Amazônia
No ano de 2022, cerca de 600 cadastros rurais foram registrados no Amazonas sobre grandes áreas públicas ainda não destinadas

Publicado em: 13/12/2023 às 15:31 | Atualizado em: 13/12/2023 às 15:31
O uso de inteligência territorial para fins de regularização futura é uma das várias técnicas hoje utilizadas por grileiros, sobretudo na Amazônia.
E através da utilização da técnica mais recente para grilagem, no ano de 2022, cerca de 600 cadastros rurais foram registrados no Amazonas sobre grandes áreas públicas ainda não destinadas.
Esse processo tem ainda como facilitador, a não regularização de grandes as maiores porções de terras ainda não regularizadas do ponto de vista fundiário.
Muitos desses cadastros têm seus limites de forma exatamente adjacente aos limites de áreas protegidas no estado, de forma a não haver sobreposições que futuramente levem a problemas na validação do registro.
Os dados fazem parte de um levantamento ainda inédito realizado pelo Observatório do Código Florestal, ao qual ((o))eco teve acesso.
De acordo com a rede – que congrega cerca de 40 instituições empenhadas no monitoramento da implementação da lei florestal no país – a forma como os cadastros foram registrados implicou no uso de técnicas elaboradas.
“Esses 600 imóveis são grandes áreas, enormes, cujos cadastros foram feitos com uso de inteligência, porque a pessoa cruzou unidade de conservação, cruzou Terra Indígena e fez [o registro da área] exatamente onde tinha um vazio, desenhando nitidamente”, explicou Roberta Del Giudice, secretária-executiva do Observatório do Código Florestal. “Quero dizer, claramente teve uma manipulação com objetivo de regularização fundiária, de receber alguma vantagem com isso”, complementa.
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Venda sem papel
Comprar terras na Amazônia é tarefa fácil. Uma busca simples na internet e centenas de resultados aparecem. Nas redes sociais não é diferente. Grupos de compra e vendas de terras no Facebook, por exemplo, se utilizam do espaço sem controle para fazerem suas ofertas.
E não precisa nem ter a escritura da terra para fazer a oferta. Na infinidade de anúncios na rede, é comum encontrar aqueles que usam apenas o contrato de compra e venda como documento comprobatório da titularidade ou apenas o Cadastro Ambiental Rural e georreferenciamento para tal fim.
“400 hectares com 160 hectares de pasto. Documentos – CAR, Geo [georeferenciamento] e foi dada entrada no título. Localizada na BR 364, sentido Jaci-Paraná/Rondônia. Preço – R$ 4.800.000,00 (Quatro milhões e oitocentos mil reais)”, diz um dos anúncios.
“Chácara de 7 alqueires formados. Águas boas, não é cercado. Tem muita madeira. 37 km de Theobroma/RO. Documento – contrato de compra e venda. Valor – R$ 29 mil por alqueire. Total – 200 mil”, anuncia outro.
Segundo Brenda Brito, pesquisadora sênior do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia, nem mesmo quando um ocupante de terras tem o processo de regularização iniciado no órgão público responsável significa que ele já tenha o título da terra, já que o processo pode não ser validado.
“Dizer que tem o CAR e o georreferenciamento não significa nada. Muitas vezes essas pessoas que estão vendendo sabem que não significa nada, mas vendem levantando a expectativa de que em poucos anos aquilo vai ser reconhecido. Antigamente se usava um protocolo do INCRA, hoje em dia se usa o CAR”, explica a pesquisadora.
Leia mais na reportagem de Cristiane Prizibisczki em O Eco
Foto: Jaime Souzza/ O eco