Guardas municipais nĂ£o podem fazer abordagens e nem revistas, diz STJ
O colegiado entendeu que atuaĂ§Ă£o da guarda municipal deve se limitar Ă proteĂ§Ă£o de bens, serviços e instalações do municĂpio

Publicado em: 24/08/2022 Ă s 17:58 | Atualizado em: 24/08/2022 Ă s 18:01
O STJ (Superior Tribunal de Justiça) reforçou o entendimento de que as guardas municipais nĂ£o podem exercer atribuições das polĂcias civis e militares e restringiu o poder da força para fazer abordagens e revistas.
A tese foi formada pela Sexta Turma da corte na Ăºltima quinta-feira (18) em um julgamento de recurso de um homem condenado por trĂ¡fico de drogas em SĂ£o Paulo apĂ³s ser revistado por guardas municipais. Os ministros consideraram ilĂcitas as provas colhidas e anularam a condenaĂ§Ă£o dele.
Embora o caso especĂfico nĂ£o tenha repercussĂ£o geral, o relator da aĂ§Ă£o, ministro Rogerio Schietti Cruz, destacou a importĂ¢ncia de se definir um entendimento da corte sobre o tema, tendo em vista “o quadro atual de expansĂ£o e militarizaĂ§Ă£o dessas corporações”. A decisĂ£o foi classificada como “desrespeitosa” por um representante da categoria.
Qual deve ser o papel das guardas municipais?
O colegiado entendeu que atuaĂ§Ă£o da guarda municipal deve se limitar Ă proteĂ§Ă£o de bens, serviços e instalações do municĂpio —co que jĂ¡ Ă© estabelecido pela ConstituiĂ§Ă£o — e que sĂ³ pode realizar a abordagem de pessoas e revista quando a aĂ§Ă£o se mostrar diretamente relacionada Ă finalidade da corporaĂ§Ă£o.
Qual foi o argumento dos ministros?
Em seu voto, Schietti Cruz destacou que a PolĂcia Militar e a PolĂcia Civil estĂ£o sujeitas a fiscalizaĂ§Ă£o por parte do MinistĂ©rio PĂºblico e do Poder JudiciĂ¡rio, uma contrapartida Ă possibilidade de “exercerem a força pĂºblica e o monopĂ³lio estatal da violĂªncia”. JĂ¡ as guardas municipais respondem apenas, administrativamente, ao comando dos prefeitos locais e de suas corregedorias internas.
Na avaliaĂ§Ă£o de Schietti Cruz, seria potencialmente “caĂ³tico” autorizar que todos os municĂpios brasileiros tenham sua prĂ³pria polĂcia, sem estarem sujeitas a controles externos.
NĂ£o Ă© preciso ser dotado de grande criatividade para imaginar – em um paĂs com suas conhecidas mazelas estruturais e culturais – o potencial caĂ³tico de se autorizar que cada um dos 5570 municĂpios brasileiros tenha sua prĂ³pria polĂcia, subordinada apenas ao comando do prefeito local e insubmissa a qualquer controle externo. Ora, se, mesmo no modelo de policiamento sujeito a controle externo do MinistĂ©rio PĂºblico e concentrado em apenas 26 estados e um Distrito Federal, jĂ¡ se encontram dificuldades de contenĂ§Ă£o e responsabilizaĂ§Ă£o por eventuais abusos na atividade policial, Ă© fĂ¡cil identificar o exponencial aumento de riscos e obstĂ¡culos Ă fiscalizaĂ§Ă£o caso se permita a organizaĂ§Ă£o de polĂcias locais nos 5.570 municĂpios brasileiros.
Como foi o caso que levou Ă decisĂ£o do STJ?
Segundo consta no processo, os guardas municipais estavam em patrulhamento quando se depararam com o homem sentado em uma calçada. Ao avistar a viatura, ele se levantou e colocou uma sacola plĂ¡stica na cintura. Por desconfiar da conduta, os guardas decidiram abordĂ¡-lo e, apĂ³s revista pessoal, encontraram um recipiente com drogas, o que o levou a prisĂ£o em flagrante. O cas foi registrado em Itaquaquecetuba (SP).
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“Ainda que eventualmente se considerasse provĂ¡vel que a sacola ocultada pelo rĂ©u contivesse objetos ilĂcitos, nĂ£o estavam os guardas municipais autorizados, naquela situaĂ§Ă£o, a avaliar a presença da fundada suspeita e efetuar a busca pessoal no acusado”, afirmou Schietti Cruz.
Para ele, a conduta correta dos guardas neste caso seria acionar a polĂcia para que fosse realizada a abordagem e a revista do suspeito. “O que, por nĂ£o haver sido feito, macula a validade da diligĂªncia.”
Uso de fuzis
Em seu voto o relator tambĂ©m destacou que o propĂ³sito das guardas municipais vem sendo desvirtuado e que algumas estĂ£o sendo equipadas “com fuzis, equipamentos de uso bĂ©lico, de alto poder letal e de uso exclusivo das Forças Armadas”.
Em abril deste ano, a GCM (Guarda Civil Municipal de SĂ£o Paulo), por exemplo, começou a usar fuzis e carabinas. Na ocasiĂ£o, a prefeitura informou ao jornal Folha de S. Paulo que 240 agentes foram treinados para o uso de armas longas e que havia previsĂ£o de que outros 600 profissionais fossem habilitados atĂ© o final deste ano. Especialistas em segurança pĂºblica ouvidos pelo jornal foram contra a compra.
Como a guarda deve agir? O ministro explicou que a guarda municipal nĂ£o estĂ¡ impedida de agir quando tem como objetivo proteger o patrimĂ´nio do municĂpio, realizando, excepcionalmente, busca pessoal quando estiver relacionada a essa finalidade.
“Vale dizer, sĂ³ Ă© possĂvel que as guardas municipais realizem excepcionalmente busca pessoal se houver, alĂ©m de justa causa para a medida (fundada suspeita de posse de corpo de delito), relaĂ§Ă£o clara, direta e imediata com a necessidade de proteger a integridade dos bens e instalações ou assegurar a adequada execuĂ§Ă£o dos serviços municipais, o que nĂ£o se confunde com permissĂ£o para realizarem atividades ostensivas ou investigativas tĂpicas das polĂcias militar e civil para combate da criminalidade urbana ordinĂ¡ria”, disse o ministro.
A guarda municipal tambĂ©m pode fazer prisĂ£o em flagrante, mas, segundo o ministro, isso se aplica apenas ao caso de flagrante visĂvel de plano, como, por exemplo, um roubo na rua. No caso julgado, a situaĂ§Ă£o de flagrante sĂ³ foi descoberta apĂ³s a realizaĂ§Ă£o da revista.
O que diz a categoria? OsĂ©ias Francisco da Silva, presidente da CONGM (ConferĂªncia Nacional das Guardas Municipais), classificou como “desrespeitoso” e equivocado o trecho do voto em que o ministro fala sobre a ausĂªncia de controle das corporações e diz que o MinistĂ©rio da Justiça monitora a regularizaĂ§Ă£o das guardas no Brasil, alĂ©m de estabelecer a matriz curricular de formaĂ§Ă£o.
“Ele coloca no voto como se a guarda fosse um bando sem controle nenhum, como risco para sociedade e isso foi um grande desrespeito”, disse ao UOL. “Trouxe um efeito muito danoso para a imagem da guarda.”
Silva diz que a maioria das cidades sofre com a insuficiĂªncia de efetivo da polĂcia militar e que os municĂpios tiveram que se organizar a partir disso.
Ele ressalta que as guardas atendem um nĂºmero crescente de ocorrĂªncias envolvendo violĂªncia domĂ©stica e teme que o entendimento tambĂ©m impacte na prisĂ£o de suspeitos deste tipo de crime.
“Ele [Schietti] deixa claro no voto dele que se a atuaĂ§Ă£o da guarda municipal nĂ£o tiver relaĂ§Ă£o com bens patrimĂ´nios municipais a guarda nĂ£o pode atuar, sĂ³ em questĂ£o excepcional, como qualquer um do povo. Isso gerou muita discussĂ£o.”
O presidente da CONGM diz nĂ£o ter dĂºvidas que Ă© enfrentar eventuais casos de excesso cometidos pela força, mas que nĂ£o se pode julgar a corporaĂ§Ă£o como um todo.
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Foto: JoĂ£o Viana/Semcom