Povo ianomâmi vê crescimento de garimpo após 30 anos de demarcação
Território foi demarcado após pressão nacional e internacional, e grande mortandade de indígenas por pressões de infraestrutura e garimpo ilegal

Publicado em: 28/05/2022 às 10:33 | Atualizado em: 28/05/2022 às 10:43
As palavras “garimpo” e “destruição” voltaram a rondar com frequência a Terra Indígena Ianomâmi nos últimos anos.
Desde sua demarcação, há 30 anos, o território passa por um de seus momentos de maior atenção em meio ao aumento de desmatamento, problemas de saúde e intensificação do assédio garimpeiro.
A realidade de riscos na terra indígena, porém, já é antiga. Pelo menos desde a década de 1970 os indígenas na região já sofrem com o contato com pessoas de fora, o que levou a uma enorme mortandade na região.
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Em 2 de setembro de 1979 a Folha publicava um título que dizia “Yanomamis estão ameaçados de extinção, sem um parque”. No texto, lia-se sobre milhares de indígenas doentes e mortos e que uma das principais ameaça naquele momento era a BR-210, conhecida como Perimetral Norte.
“Mil índios mortos por doenças viróticas e grupos inteiros reduzidos à mendicância e à prostituição. Uns poucos foram recrutados como sub-mão de obra para o inesgotável trabalho das serrarias ou, nas fazendas, como vaqueiros, para zelar por seu próprio flagelo: o boi”, diz a reportagem, que alertava que equipes de vacinação solicitadas três anos antes ainda não atuavam na área.
Garimpo
O garimpo também era outro ponto já levantado e encontrava apoio em parte do poder político.
Na década seguinte, 1980, a invasão de dezenas de milhares de garimpeiros -fala-se entre 30 mil e 40 mil- na terra indígena se tornou realidade.
Naquele momento, além disso, o território estava dividido em cerca de 21 pequenas células de povoamento indígena, pulverização que era apontada como mais um ponto de fragilidade.
“Era uma tentativa de consolidar a presença garimpeira no território”, afirma Márcio Santilli, sócio-fundador do ISA (Instituto Socioambiental) e ex-presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio), sobre as “ilhas” demarcadas.
Mortes
Em pouco anos, estima-se que cerca de 20% dos yanomamis tenham morrido, segundo a ONG Survival International, que participou nas movimentações de organizações e de indígenas para demarcação da Terra Indígena Yanomami.
Foi só em 1992, com decreto em 25 de maio, que o então presidente Fernando Collor de Mello homologaria a Terra Indígena Yanomami.
Com o tempo e após grandes perdas humanas, uma parte dos invasores foi expulsa da terra indígena. Diversos problemas persistiram, porém.
Governo Bolsonaro
“Cada vez mais o índio é um ser humano igual a nós”, afirmou o presidente Jair Bolsonaro (PL), durante uma de suas lives semanais, em 2020. “A reserva Yanomami tem mais ou menos 10 mil índios. O tamanho é duas vezes o Estado do Rio de Janeiro. Justifica isso? Lá é uma das terras com o subsolo mais rico do mundo. Ninguém vai demarcar terra com subsolo pobre. Agora o que o mundo vê na Amazônia, floresta? Tá de olho no que está debaixo da terra”, disse, também em 2020.
O atual presidente é um defensor da mineração em terras indígenas, apesar da visível destruição e dos problemas sociais que o garimpo ilegal leva para essas áreas protegidas.
Mais uma vez, a terra indígena se vê diante de uma escalada de destruição por garimpo, além de denúncias de violência, estupros e assassinato.
Dados do Inpe mostram uma explosão de desmate em 2019, primeiro ano sob o governo Bolsonaro, atingindo o maior valor da base de dados disponível (desde 2008), com mais de 19 km² derrubados. O número não é elevado, comparado ao grande desmate na Amazônia, mas é superior ao de anos anteriores.
Sob Bolsonaro, o desmate acumulado chega a mais de 28 km² -mais de 17 vezes a área do parque Ibirapuera, em São Paulo-, valor superior ao visto em governos anteriores.
Um relatório produzido pela Hutukara Associação Yanomami e pela Associação Wanasseduume Ye’kwana, com assessoria técnica do ISA, aponta que, em 2021, a destruição associada a garimpos cresceu 46% na terra indígena em relação a 2020, e chegou a 3.272 hectares.
“Esses empreendimentos de garimpagem predatória são altamente capitalizados. Não estamos falando mais de garimpo artesanal. Hoje falamos de um garimpo altamente destrutivo, com dragas e escavadeiras gigantescas introduzidas nesses territórios. Estamos falando de um apoio logístico aéreo, de empreendimentos gigantescos.”
Crime organizado
Ainda segundo levantamento, a situação ainda ganha outro verniz de complexidade com a participação de organizações do crime organizado, o preço alto do ouro internacionalmente e o respaldo que o garimpo encontra no governo federal e estadual de Roraima.
Em 2021, a lei estadual 1.453, proposta pelo governador de Roraima, Antônio Denarium (Progressistas), facilitava a liberação de garimpos no estado e ainda liberava o uso do altamente tóxico mercúrio na atividade.
No entanto, a lei foi suspensa pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).
O relatório da Hutukara Associação Yanomami também aponta relatos de abusos sexuais e assédio a mulheres e crianças.
Recentemente, uma decisão judicial apontou o risco “morte em massa de indígenas” na terra yanomami. Há também decisão que determina ações para a retirada de milhares de garimpeiros que estão no local.
“O dano político, dano de imagem, o ambiental e o material têm hoje uma escala muito maior do que antes. A insustentabilidade desse modelo predatório é ainda mais gritante”, afirma Márcio Santini.
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Foto: Reprodução