Crise política e falta de verbas inquietam Alto Comando do Exército

Publicado em: 23/09/2017 às 14:17 | Atualizado em: 23/09/2017 às 14:17
Foi na segunda-feira, 11 de setembro, quando um encontro de generais do Exército brasileiro ecoou como alerta máximo à população e mais, especificamente, às correntes políticas e ao Poder Judiciário.
Discutiam-se ali, no Quartel General do Exército, em Brasília, os problemas que afligem os militares. E de lá, saiu uma voz que ainda preocupa o Palácio do Planalto: a do general Hamilton Mourão sobre uma eventual intervenção no país.
O comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, fazia a abertura formal da 314ª reunião do Alto Comando do Exército.
Estava lá até o comandante militar da Amazônia, Antonio Miotto.
O encontro, de cinco dias de duração, foi convocado para discutir os problemas que afligem os militares, entre os quais, a crise política do País e a falta de recursos para manter soldados nas casernas e garantir as atividades básicas da força, alvo de um significativo contingenciamento de verbas do governo federal.
Os generais que comandam as tropas nas principais unidades do Exército demonstravam inquietação.
Sentiam a necessidade de se posicionar sobre a corrupção e a barafunda reinante nos poderes da República. Mas a pauta, por assim dizer, foi extrapolada, ultrapassando as fronteiras do razoável.
Na surdina, a cúpula do Exército pôs em debate ali o que o general Antonio Hamilton Martins Mourão (na foto, entre outros militares) o ecoaria dias depois, mais precisamente na sexta-feira 15, durante um evento da Loja Maçônica Grande Oriente: uma eventual necessidade de uma intervenção militar no País, “diante da crise ética e político-institucional”.
Ou seja, Mourão não falava sozinho nem havia cometido um arroubo imprevidente, quando defendeu a solução radical tornada pública na última semana.
Ele entabulou um discurso, com tintas golpistas, respaldado por um encontro prévio do Alto Comando do Exército. Não se trata de um foro qualquer.
O colegiado é o responsável pelas principais decisões do Exército.
Estavam presentes 16 generais quatro estrelas, entre eles Fernando Azevedo e Silva, chefe do Estado-Maior e Comandante Militar do Leste, cotado para substituir Villas Bôas, prestes a encerrar seu ciclo no comando do Exército.
Compareceram também os demais seis comandantes militares, entre os quais o da Amazônia, general Antonio Miotto, e o do Sul, general Edson Leal Pujol.
Fontes ouvidas por ISTOÉ, presentes à reunião, ponderam que não estavam ali a fim de tramar um golpe militar, mas confirmam que o que os motivou a realizar o encontro foi a preocupação com o ritmo acelerado da deterioração do quadro político brasileiro. E, sim, deixam claro que, se houver necessidade, estarão prontos “para uma intervenção com o objetivo de colocar ordem na casa”.
O desabafo de Mourão
Foi munido desse espírito que Mourão desembarcou na maçonaria.
O encontro teve início às 20h de sexta-feira 15. Lá, ele disparou a metralhadora giratória sem maior cerimônia.
Disse que seus “companheiros do Alto Comando do Exército entendiam que uma intervenção militar poderá ser adotada se o Judiciário não solucionar o problema político”, referindo-se à corrupção.
Pediu a “retirada da vida pública desses elementos envolvidos em todos os ilícitos” e advertiu que “vai chegar um momento em que os militares terão que impor isso (a intervenção militar na política)”.
E, por fim, acrescentou: “O que interessa é termos a consciência tranquila de que fizemos o melhor e que buscamos, de qualquer maneira, atingir esse objetivo. Então, se tiver que haver, haverá (ação militar)”, pregou Mourão.
Alvoroço
A fala do general provocou o maior alvoroço no País.
Apesar disso, em entrevista na noite de terça-feira 19 ao jornalista Pedro Bial, da TV Globo, Villas Bôas foi taxativo: “Punição não vai haver. Essa questão já está resolvida internamente”, disse o comandante, acrescentando: “A maneira como Mourão se expressou deu margem a interpretações amplas, mas ele inicia a fala dizendo que segue as diretrizes do comandante”.
Ainda chamou Mourão de “um grande soldado, uma figura fantástica”.
E ateou ainda mais lenha à fogueira ao dizer que “a Constituição concede às Forças Armadas um mandato para intervir se houver no País a iminência de um caos”.
Não é verdade. De acordo com o artigo 142 da Constituição, as Forças Armadas podem agir, desde que “sob a autoridade suprema do presidente da República”.
Em nenhum lugar da Carta Magna está escrito que o caos confere um “mandato” para atuar à revelia do presidente.
O que Villas Bôas deveria ter feito, e não o fez, foi punir o subordinado.
Claro, quando a existência de uma reunião prévia com a participação do Alto Comando do Exército vem à tona, tudo faz mais sentido.
Como é que o comandante do Exército, o general Villas Boas, poderia aplicar uma sanção a um subalterno que tornou público um dos cenários debatidos num encontro em que ele mesmo estava presente, participou da abertura dos trabalhos e comandou as discussões? Não poderia, evidente, e, por isso, não puniu.
Reprimenda
Em audiência no dia seguinte, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, defendeu ao menos uma reprimenda pública a Mourão, ao que o comandante do Exército de novo resistiu.
Ficou combinado apenas que Villas Bôas conversaria com o subordinado para deixar claro que a voz oficial do Exército é a dele e de mais ninguém.
Coube aos comandantes militares da Marinha, Exército e Aeronáutica defender publicamente, por meio de comunicados, o respeito à Constituição, aos poderes constituídos e aos princípios democráticos.
Mero formalismo. Embora não lidere nenhum movimento de insurreição militar, o general Mourão conta com amplo apoio não só do comando do Exército, como da tropa.
No início da semana, o coronel Muniz Costa distribuiu para um grupo de companheiros de farda uma carta sob o título “Do que falou o General”.
Nela, promoveu uma contundente defesa do general: “Quando um general de quatro estrelas afirma que o Exército tem planejamentos para atuar na eventualidade de uma falência das instituições nacionais, num momento que o País enfrenta a mais grave crise em mais de cinquenta anos, as cassandras do ‘pseudolegalismo’ se agitam”, afirmou.
Apoio de generais
O primeiro comandante da Força de Paz no Haiti (2004), general da reserva Augusto Heleno, seguiu na mesma toada.
“Meu apoio irrestrito ao respeitado chefe militar (Mourão). É preocupante o descaramento de alguns políticos, integrantes da quadrilha que derreteu o País, cobrando providências contra um cidadão de reputação intocável”.
Outro que demonstrou estar no mesmo compasso de Mourão foi o general de Brigada Paulo Chagas.
A seu grupo de amigos nas redes sociais afirmou que num cenário de um caos total, os militares não poderiam ficar “inertes aguardando ordens”.
O presidente da Associação de Oficiais da Reserva do Distrito Federal, o tenente Rômulo Nogueira, foi além, ao divagar sobre uma eventual queda de Temer. “Quem assume? O rapazinho lá, não sei o quê Maia. Será que ele teria pulso forte para dar uma ordem? Num clamor, numa desordem, alguém tem de tomar conta da casa”.
Alerta à população
A população minimamente instruída precisa ficar alerta a manifestações dessa natureza.
Pouco importam os panos quentes manuseados pelos militares, ao longo dos últimos dias, para abafar o indisfarçável.
É inadmissível qualquer vestígio, rastro ou laivo capaz de representar uma chance mínima que seja de retrocesso de 53 anos na história do País.
A retrospectiva histórica ensina: militar não tem de se arvorar a fazer política. Cabe constitucionalmente às Forças Armadas a garantia da ordem interna e das fronteiras.
Quando os militares se meteram a fazer política, pela última vez, mergulharam o País em 21 anos de trevas, os quais não podemos esquecer para que jamais novamente aconteça.
Bolsonaro
Em geral, as insatisfações são ecoadas por militares, da ativa e da reserva, por ‘WattsApp’.
Pelas redes privadas, formam grupos de comunicação direta, trocam informações e opiniões.
É por elas que circulam as críticas pela falta de verbas, como também todos os passos do candidato do coração da caserna: o deputado Jair Bolsonaro (PSC).
Os militares constituem a principal base eleitoral do capitão da reserva do Exército, que já anunciou sua pré-candidatura à presidência da República em 2018.
Pelas recentes pesquisas, ele figura em segundo lugar.
Por frases como “soldado meu que vai à guerra não senta no banco dos réus”, Bolsonaro frequentemente é ovacionado por seus seguidores abnegados em discursos pelo País afora.
“Não se faz democracia aceitando a corrupção por governabilidade. Reagir a isso é obrigação de qualquer civil ou militar”, afirmou o parlamentar, ao comentar o discurso de Mourão.
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Fotos: Reprodução Lincon Zarbietti/IstoÉ