Empresa italiana faz barras com ouro retirado ilegalmente do Brasil
Compradora estrangeira desse metal de Ă¡reas proibidas da AmazĂ´nia —"legalizado" por meio de fraude antes de ir para o exterior— Ă© a Chimet SPA Recuperadora e Beneficiadora de Metais

Publicado em: 11/02/2022 Ă s 12:53 | Atualizado em: 11/02/2022 Ă s 12:54
O ouro extraĂdo ilegalmente nos garimpos da terra indĂgena KayapĂ³, no sul do ParĂ¡, alimentou a produĂ§Ă£o de um das maiores lĂderes de metais preciosos da Europa. Trata-se de uma empresa, de grupo italiano, especializado em refinar o minĂ©rio para a confecĂ§Ă£o de joias, como alianças de casamento, e para a formaĂ§Ă£o de barras de ouro que sĂ£o guardadas em cofres de bancos suĂços, ingleses ou americanos.
A compradora estrangeira desse metal de Ă¡reas proibidas da AmazĂ´nia —”legalizado” por meio de fraude antes de ir para o exterior— Ă© a Chimet SPA Recuperadora e Beneficiadora de Metais, sigla em italiano para QuĂmica MetalĂºrgica Toscana, uma gigante do setor que ocupa a posiĂ§Ă£o nĂºmero 44 entre as empresas que mais faturam na ItĂ¡lia.
Em 2020, ela teve a maior receita da sua histĂ³ria: mais de 3 bilhões de euros (cerca de R$ 18 bilhões), um aumento de 76% em relaĂ§Ă£o ao ano anterior.
Para chegar ao nome da refinadora italiana, a PolĂcia Federal investigou uma complexa organizaĂ§Ă£o criminosa do garimpo ilegal que atua no sul do ParĂ¡. O esquema foi desnudado em outubro com a OperaĂ§Ă£o Terra Desolata, quando foram expedidos 12 mandados de prisĂ£o, alĂ©m do bloqueio de R$ 469 milhões das contas dos investigados. Hoje, trĂªs meses depois, os detidos estĂ£o soltos por meio de habeas corpus.
Leia mais
Justiça diz nĂ£o a pedido de garimpo em terras indĂgenas no Amazonas
A Chimet nasceu nos anos 1970 de um braço da Unoaerre, outra lĂder do setor na ItĂ¡lia, que se apresenta como a responsĂ¡vel por produzir 70% das alianças de casamento vendidas no paĂs. As duas sĂ£o controladas pela mesma famĂlia, a Squarcialupi, e estĂ£o sediadas em Arezzo, cidade que tem tradiĂ§Ă£o na
produĂ§Ă£o de joias.
Descrita no seu prĂ³prio site como uma empresa “amiga do meio ambiente” e detentora de certificados de sustentabilidade “por sua atuaĂ§Ă£o responsĂ¡vel”, a Chimet afirmou Ă RepĂ³rter Brasil que sempre compra o metal acompanhado de documentos que atestem sua origem legal.
“As compras em questĂ£o sempre estiveram acompanhadas de documentaĂ§Ă£o que atesta a proveniĂªncia lĂcita do metal”, disse em nota. Entretanto, a empresa reconheceu “o risco de que efeitos negativos possam ser associados ao comĂ©rcio e exportaĂ§Ă£o de minerais de Ă¡reas de alto risco”.
O Brasil, nesse caso, Ă© a “Ă¡rea de alto risco” devido Ă facilidade de se fraudar a origem do ouro, bem como Ă fragilidade da fiscalizaĂ§Ă£o por parte da ANM (AgĂªncia Nacional de MineraĂ§Ă£o) e demais Ă³rgĂ£os. As notas fiscais que declaram a origem do minĂ©rio sĂ£o em papel, preenchidas pelo vendedor, que facilmente pode mentir sobre o local de onde foi extraĂdo o metal.
“Infelizmente, o ouro ilegal Ă© uma realidade no mercado europeu. As empresas compram ouro de procedĂªncia ilegal para atingirem certos padrões internacionais de quantidade de produĂ§Ă£o”, afirma Nunzio Ragno, presidente da Antico, sigla da associaĂ§Ă£o italiana do ouro.
O inquĂ©rito da PF aponta ainda que a Chimet adquire o produto da brasileira CHM, em uma relaĂ§Ă£o de parceria “estabelecida hĂ¡ dĂ©cadas” por intermĂ©dio dos sĂ³cios Mauro Dogi e seu filho Giacomo, que sĂ£o italianos mas moram no Brasil.
Ambos sĂ£o descritos como “os principais destinatĂ¡rios do ouro ilegal oriundo das terras indĂgenas da regiĂ£o”, segundo relatĂ³rio da PF revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo e obtido pela RepĂ³rter Brasil. Mauro Dogi jĂ¡ foi funcionĂ¡rio da Chimet na sua fĂ¡brica em Arezzo.
Entre setembro de 2015 e setembro de 2020, a Chimet pagou Ă CHM do Brasil o equivalente a 317 milhões de euros (R$ 2,1 bilhões) na aquisiĂ§Ă£o de cerca de uma tonelada do metal. A empresa europeia alega que esse volume Ă© irrelevante em relaĂ§Ă£o ao total –70 toneladas– trabalhado anualmente nas fĂ¡bricas do grupo.
Leia mais na Folha
Foto: divulgaĂ§Ă£o